terça-feira, 10 de setembro de 2024

É nas pequenas coisas que se conhecem as pessoas

 

O motorista de autocarro sentou-se ao meu lado na paragem onde me encontrava sozinha. Vinha com o telemóvel a emitir, em simultâneo, ruídos de sons, vozes e música com risadas no final. Deduzi serem vídeos de tic-tocs, pois a parafernália sonora era repetida em loop.

Encontrava-me numa chamada a aguardar atendimento fazia já 40 minutos, com o telemóvel em audio externo, pois se não for desse modo, não escuto nada. Os ruídos do telemóvel do homem eram tão altos que abafavam por completo o som de música clássica de péssima qualidade dos serviços de atendimento da EasyJet que vinha a escutar segurando o telemóvel perto dos meus ouvidos, enquanto que, com a outra mão manejava enfiar um pouco de comida na boca. Obviamente, não me encontrava ali por lazer. Qualquer um que assim encontrasse, eu deduziria estar na linha de espera de uma chamada importante. 

O bom senso manda que a pessoa que chega, percebendo a situação, tente minimizar que a sua presença atrapalhe. Mas o telemóvel do homem superava em muito o meu no requisito audio. Praticamente não conseguia escutar NADA. Quando a música clássica parava, receava que foi por terem atendido e receava não escutar me chamarem porque, de fato, não dava para escutar. Os sons de TIC-TOC vindos do telemóvel do motorista abafavam e obliteravam o meu. Só mesmo encostando o telemóvel ao ouvido podia ter percepção.


Quase que tive para lhe pedir para que baixasse um pouco o som. Mas acho que, depois de se sentar, até o aumentou. E continuou assim. 

ATÉ QUE....

Até que uns 12 minutos depois apareceu uma terceira pessoa na paragem. Uma mulher, de mala de viagem na mão, bem vestida, com aparência elegante, pareceu perdida, seguindo indicações pelo telemóvel. 

Assim que ela apareceu, o homem baixou o som do telemóvel. E olhou para a mulher: Primeiro avaliou-a pelo rosto. Depois desceu rapidamente os olhos para baixo e voltou a subi-los, demorando apenas fracções de segundos a olhar para específicas zonas da fisionomia feminina. 
 
 Por aquela postura, soube tanto daquela pessoa! Um indivíduo que chega e faz questão de não ter um gesto de cordialidade e respeito básico contudo, altera de imediato o comportamento para o oposto quando vê uma fêmea que lhe agrada da cabeça aos pés... Ah, tão básico... !!

Tudo o que foi preciso para ele agir com consideração foi a presença de uma mulher bem vestida. 
Sinceramente... 

Homens conseguem ser tão básicos que até dá dó. 
Quando são básicos assim, rejubilo de satisfação com as "Rebeccas*" da vida. Elas fazem todo o sentido para mim. Deviam existir muitas, muitas Rebeccas. Porque há homens que merecem aprender uma boa lição. 

Se eu fosse mau carácter. vilã, teria todo o gosto em brincar com um idiota destes. 

Até nem teria qualquer piada ou seria um grande desafio - de tão básico que ele demonstrou ser. 



* Rebecca D'Winter - personagem do livro Rebecca. 



domingo, 1 de setembro de 2024

Mais um Domingo, mais 10h de trabalho

 

"Luvas de Serial Killer" - grita o homem alto, de calça branca e t-shirt azul, que parecia tão certinho. Tão subitamente agarrou na minha mão enluvada que nem ouvi o que disse. Tive de pedir para repetir. 

Estava sentada a aguardar o meu pedido de take-away de frango com batatas fritas... e ele estava em pé, tinha acabado de fazer o pedido dele. 

"Luvas de Serial Killer" - diz. 

Percebo então que decidiu fazer uma graçola a respeito do fato de me ver com luvas de borracha. Mas... o Covid foi assim há tanto tempo que as pessoas ainda se surpreendem por ver mãos enluvadas com luvas de borracha azuis? 

Se tivesse colocado uma máscara no nariz teria me acusado de ser uma assaltante de bancos, ao invés de uma assassina em série. 

-"Não." - respondo-lhe. "Luvas de 10 horas de trabalho". 


O telemóvel dele tocou nesse instante e o seu interesse eclipsou-se tão rápido como se manifestou. Curioso a ASSOCIAÇÃO mental do homem. 

Há bem pouco tempo pensei em mim nesses termos. Estava a refletir na vida, nas injustiças a mim cometidas e a forma como reajo ou reagi a tanta maledicência, malícia, inveja, maldade. E concluí que, numa próxima encarnação, para equilibrar a balança só poderei vir a ser alguém com reduzidos escrúpulos, capaz de matar pessoas por nenhum motivo especial e sem remorso. Quando um tanto em monotonia, procurar excitação no ato de criar confusão e ceifar vidas.  Isto porque, nesta reflexão sobre o equilíbrio das coisas, devido ao que vivi e vivo nesta vida, na próxima só podia encarnar o meu oposto. Porque seria o equilibrar de um desequilíbrio.

Suspeito que o objectivo das vidas que por cá passam está traçado assim.  Não para viver sempre o seu oposto mas... para a aprendizagem. O que não se aprendeu à primeira é exasperado à segunda.

Já em casa refleti na expressão popular que diz: "é preciso um para reconhecer o outro....". 

Será que o homem era do lado do mal? Ou será um apreciados do Dexter? (série de TV que NUNCA vi, by the way... )