Estava sentada num assento na carruagem do metro. De pé, mesmo atrás do meu ombro, escutava as vozes de um casal a conversar. Acabei por apanhar o tom de voz e o que era dito. O rapaz escutava-a com interesse e pouco falava. Fazia questões à rapariga, pelos vistos para a conhecer um pouco melhor. Sugeriu sairem juntos. Ele não era dali e ela era lisboeta e podia lhe mostrar os melhores lugares. Ela logo avançou que não conhecia muita coisa porque não cresceu a ir a muitas festas e ia "polvilhando" aqui e ali, o rapaz com informações da sua vida . Uma vida de abnegação, "dedicada" aos outros. Pude sentir o interesse dele a crescer. E pude perceber a perícia da miúda, que conduzia a conversa pintando-se de uma maneira tão benéfica, que se julgaria tão santa como a madre Teresa de Calcutá.
Disse-lhe que cresceu sem sair à noite. Não conhecia muita coisa. Teve de cuidar do irmão, de quem gosta muito, como se fosse um filho. Tinham uma diferença de idade de alguns anos. Era como se fosse mãe dele. Só começou a sair já era mais adulta, mas poucas vezes e em ocasiões especiais. Cada vez que ela falava, o interesse dele continuava a crescer. Demonstrava que queria estar com ela e dedicava-se a escutá-la. Ela tinha uma voz doce, tão serena e calma, que deu-me vontade de olhar para trás só para perceber como era. O que fiz muito rapidamente, disfarçando olhar para o mapa do metro.
Nisto percebo que ela está bastante atenta a tudo o que a rodeia de uma forma possessiva, porque assim que movo a cabeça, e apanho a forma como está vestida - espanto-me. Pela voz, esperava uma mulher normal, simples. Como todas as outras que se vêm no metro. Mas encontrei uma jovem produzida de forma a parecer simples mas também a seduzir. Parecia a Marge Simpson - a dona de casa "look", mas era deslumbrante. Apresentava-se mesmo para agarrar o peixe. Tinha o cabelo solto e liso, super brilhante e sedoso, um vestido justo ao corpo a revelar apenas o que é de decoro mas a revelar exatamente o que é preciso para deixar um homem doidinho de desejo: boas pernas, boas curvas e um peitinho curioso. Usava um colar a sobressair no decote não demasiado modesto mas não revelador. O vestido a marcar-lhe o contorno do corpo era o suficiente.
Mas o meu espanto - e a minha suspeita começou aí, foi o ser surpreendida, não tanto com a imagem, que percebi de relance, mas com o que a vi fazer de seguida. Mal olhei para ela - e certamente para ele quase nem olhei, mas ela, ao ver um movimento de virar a cabeça na direcção dos dois, tocou no rapaz. Fez questão de esticar o braço, sorrir-lhe, agarrá-lo, chegar-se perto. Esse tipo de comportamento é tão típico de mulheres que estão no processo de sedução, não gostam de distrações de qualquer espécie e vêm "rivais" em tudo. Nada nem ninguém devia interferir com os planos que tinha na cabeça. Nem a carruagem, nem os transportes, nem um animal na rua. Estava determinada a conquistar aquele rapaz - mas fingindo que não era nisso que estava focada.
Aquela súbita aproximação física, o toque no ombro dele, com a mão a escorrer para o peito, o sorriso - aquilo foi um convite e deve tê-lo deixado ainda mais em brasa. Já eu, fiquei com a sensação que ela estava a enganá-lo. Fazendo-se passar por aquilo que ele desejava encontrar. Todas aquelas palavras tinham sido cuidadosamente arquitetadas, o vestido cuidadosamente escolhido - cada detalhe da sua indumentária foi alvo de especial atenção e se alguma coisa ao redor ousar sequer interferir no seu processo, não ia permitir, recorrendo a comportamentos mais "diretos" ao ponto.
O rapaz devia estar a pensar "que sorte tenho em encontrar alguém assim", "Jackpot", "Fantástica".
O meu cérebro refletia nas aparências. Acho que os homens continuam a sentir bastante atracção pelo "protótipo" da "mulher para casar". Muitos conseguem ver as miúdas a divertirem-se, querem ter miúdas para gozarem, beijarem, pegarem, amassarem. Mas para um relacionamento sério, procuram, ainda a "mulher para casar". Se antigamente esta linha era bem distinta - definida, muito vincadamente pela virgindade mas não só - existia também um código de conduta e uma aptidão para as lides domésticas - hoje em dia a coisa só varia um pouco mas, no ADN do homem, penso que ainda persiste a procura da mesma coisa. Aceitam, claro, que uma mulher possa não ser mais virgem e ter tido namorados. Mas tem de ser um ou dois apenas. E depois tem todo um código de conduta de recatez, simplicidade, modéstia que ainda os seduz bastante e torna a mulher atraente a seus olhos. Isso, e a aparêmcia física. Vos digo: aquela rapariga sabia muito bem como o agarrar.
Depois reflecti no que descrevia dela própria e percebi que estava a descrever-me. Só que eu jamais ia conseguir retratar-me com aquela capacidade incrível de sequenciar tudo de forma tão eloquente e benéfica. Para mim, cabelo apanhado com uma mola, sem maquilhagem, usando roupas banais, sem adornos à excepção do meu anel, com uns quilinhos a mais e rugas a surgir - o rapaz jamais olharia. No entanto, se fosse por conteúdo apenas, o que ele estava a escutar era a minha vida. Talvez mais minha do que a dela.... que só faltou dizer que foi criada num convento.
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