Uma notícia sobre oportunidades de emprego para jovens que passou hoje no telejornal fez-me recuar no tempo, até aos anos 90, quando na qualidade de estudante me abordaram para aderir à greve de protesto contra a introdução de uma nova medida da Ministra da Educação. A revolta era ainda maior por muitos se terem sentido ofendidos por terem sido apelidados pela imprensa de "GERAÇÃO RASCA". Palavras que já não recordo se foram aproveitadas por algum político... A revolta não tardou mas de pouco adiantou. Recuei até esse dia e voltei ao presente, consciente do meu percurso como se tivesse visto um filme.
Eu, tal como todos desta geração, passámos por todas as mudanças que o Ministério da Educação introduziu no sistema de ensino para acesso ao ensino superior. Surgiram provas globais, surgiram cursos tecnológicos, surgiu a avaliação bi-partidária, em que a média de conclusão final era calculada a partir da nota tirada nas provas Globais com a média dos três anos de secundário, ambas com uma percentagem diferente de influência para a nota final. Lembro que o primeiro resultado global desta medida foi desastroso, alunos de notas médias ou altas chumbavam nas globais, o que fez o Ministério de Educação ter de ajustar os cálculos mediante os resultados obtidos.
Uma vez na universidade surgiram as propinas. Entrei no curso que quis, para o qual tive de fazer provas globais a disciplinas que inclusive nunca havia tido só para ter hipóteses de me candidatar com mais do que a média de Português com Matemática, uma mistura nem sempre vantajosa. Inicialmente o curso qualificava com o grau de bacharelato mas os anos de estudos acabaram por se alongar, não por ter reprovado, mas por uma nova medida ter permitido que aos bacharelatos pudessem se adicionar 2 anos extra para se obter o nível de licenciatura. Por essa altura já estava tão cansada de estudar, que me considerava uma profissional. Mas lá tirei a licenciatura, investindo no total 5 anos da minha jovem vida para obter um curso superior.
Terminada a fase do estudo, é altura de ingressar no mercado de trabalho, do qual já fazia uma boa ideia de como funcionava, tanto por ter mantido contacto com o meio enquanto estudante, como pela quantidade de conhecimentos que absorvia por meu próprio interesse. E essa introdução inicia-se, obviamente, com ESTÁGIOS.
Fui fazer um estágio deplorável, sobre o qual até já falei aqui pelo que não me vou alongar. Já tinha prática na área por colaborar noutras empresas sem ordenado, mas fui de mente e coração aberto abraçar aquela nova etapa da minha vida. A universidade não tinha protocolos, mal sabia o que estava a fazer, não soube designar um orientador de estágio e ainda sofri ameaças por parte do director de curso por ter escolhido encontrar o meu próprio estágio dentro da área do curso e não me ter sujeitado aos por ele encontrados, fora da área. Terminado esse estágio curricular e não renumerado, que hoje sei que me mostrou o pior que existe em muitos locais de trabalho por este país a fora, obtive logo outro, numa entidade do estado, também não remunerado. Mas o desperdicei devido à pressão que o outro ainda estava a exercer sobre mim. Daí fui para o desemprego. Enquanto procurava e enviava curriculos, arranjei um part-time, tirei cursos, muitos cursos dentro da minha área de interesse, que paguei do meu bolso, mas a confiança e a esperança, essas é que ficaram com mossas. Pesava sobre a minha cabeça uma grande espada: a idade. A idade estava a avançar e por alguns lugares já escutava isso... Parecia que por todo o lado onde ouvisse uma conversa, todos me diziam que aos 25, 26 anos era já algo «velha» para iniciar a sério uma vida profissional nas minhas áreas de interesse. Percebi que as oportunidades eram «lixadas». Os anúncios de ofertas de trabalho pediam candidatos com licenciatura, dois anos de experiência e idades que iam apenas até os 20 ou 24 anos. Parecia que tudo conspirava e todos apontavam o absurdo das condições de empregabilidade. Como pode um indivíduo estudar a VIDA TODA, terminar o secundário, acrescentar CINCO ANOS de licenciatura, fazer mais uns tantos de estágio e ainda ser tão JOVEM?
Nunca mais esqueci o que uma vez ouvi num rádio: alguém acusava o governo de estar a enganar os estudantes, alongando os anos de estudo, pedindo e dando subsídios, criando estágios, cursos de formação e programas que visavam adiar a entrada dos estudantes no mercado de trabalho, para que não se percebesse os níveis reais de desemprego do país, para esconderem a gravidade da situação da comunidade Europeia.
Os jovens estudantes de 90 foram vivendo de ilusões, promessas e aparências, seguindo as regras, iludidos pelo próprio governo. E agora aqui estamos: esta geração RASCA, foi é ENRASCADA pelas medidas evasivas do governo. Tramaram esta geração e comprometeram as gerações que lhe seguiram.
É bom ouvir que podem surgir novas medidas de empregabilidade para jovens licenciados até os 25 anos ou que acabaram de perder o emprego. É bom mas também é mau. Estou a ouvir o mesmo desde que era eu essa «jovem licenciada», ainda me sinto um pouco nessa posição e agora constato que o tempo passou, pelos vistos não sou mais, e lá estão outros no mesmo lugar...
Se a geração RASCA ainda não foi "agraciada" pelas promessas de "oportunidades para jovens licenciados" e muitos ainda continuam na «luta» por oportunidades e pela estabilidade no mercado de trabalho, só constato que o tempo passou e outra geração chegou sem que a anterior tivesse abandonado o barco. Estão assim, DUAS gerações, a RASCA e a À RASCA, acumulam-se no final da linha, sem ter para onde fugir. Como entulho trazido pelas ondas do mar preso numa enseada. Isto cheira a ilusão, a promessa oca e que só fica a pairar no ar.
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