sábado, 2 de junho de 2012

Uma história pessoal - parte 1

Há muito tempo, era eu adolescente, passei por uma pastelaria especializada em fazer uns croissants quentinhos que minha mãe adorava. Decidi fazer-lhe uma surpresa. Tinha comigo dinheiro suficiente para comprar somente a quantidade certa: um  croissant para minha mãe, outro para minha irmã e outro para mim.

Entrei na pastelaria e escolhi o sabor favorito de cada uma de nós. Eis que andavam por ali umas crianças ciganas que tinham o hábito de ir ter com as pessoas a pedir-lhes dinheiro para comida. Uma lá entrou e, sem grandes embaraços mas educadamente, começou a abordar as pessoas solicitando dinheiro, dizendo que tinha fome. Quando chegou a mim, disse-lhe que dinheiro não lhe dava mas que lhes comprava um croissant, se quisesse. O menino olhou para mim, depois para os colegas que ficaram fora da pastelaria, a espreitar para dentro com o rosto colado ao vidro e, percebendo o contentamento geral diz: Um para cada um de nós? Ao que lhe respondi: Não, não tenho dinheiro que chegue. Dou-te um bolo mas vais ter de o partilhar com os teus amigos. Ainda numa tentativa para ver se conseguia algo mais, o miúdo olha os dois croissants embrulhados em cima do balcão e sem embaraço pede-mos. Ao que respondi que não podia lhos dar, porque não eram para mim, eram para dar a outras pessoas. O miúdo consentiu e mantendo o interesse no croissant que lhe disse dar, perguntei-lhe que sabor ele e os amigos preferiam. Chocolate, claro...

Quando a empregada me entregou o bolo passei-o para as mãos do miúdo que, todo contente e eufórico como os amigos que ficaram no exterior, correu para fora da pastelaria com o croissant quentinho com recheio a chocolate nas mãos e já a dividir com os restantes, dispersando todos de seguida.

Provavelmente aquilo era normal para aquele bando, talvez pedissem moedas todos os dias por hábito, talvez nem tivessem mesmo fome, andavam sempre por ali a pedir e como aprenderam a não entrar todos ao mesmo tempo abordando as pessoas de uma forma inconveniente, mesmo que o dono ou os empregados da pastelaria se sentissem incomodados, ninguém os mandava sair. Costumava perceber a presença deles quando estava de passagem, até porque, quando um estabelecimento liberta um aroma tão convidativo como aquele, é irresistível para um adulto, quanto mais para crianças. A pastelaria estava sempre cheia e os croissants quentinhos sempre a sair. Habitualmente as pessoas não lhes davam dinheiro, até porque dizia-se que os pais ciganos não trabalhavam e punham as crianças a pedir, como se fosse uma profissão e depois recolhiam o dinheiro para si e não compravam comida. Normalmente a mendicidade das crianças   recebia como resposta um "não", ou acenava-se negativamente com a cabeça, ou mais recorrentemente, dizia-se apenas "não tenho dinheiro", ou "hoje não", etc.

Dinheiro também não ia dar, não sei o que fariam com ele. Não o considero ajuda, dinheiro não se come. Mas comida dava na boa. Nem pensei muito nisso, para ser sincera. Fi-lo com naturalidade. Como só tinha dinheiro para comprar 3 croissants, tomei a decisão consciente de prescindir daquele que seria para mim. Embora estivesse com uma fome gigantesca, podia sempre comer algo ao chegar a casa, não é? E por mais que salivasse por um daqueles croissants quentinhos com recheios saborosos, podia prescindir deles e contentar-me com uma carcaça com manteiga. Só não queria era deixar de surpreender minha mãe e irmã, levando-lhes aqueles croissants quentinhos com os seus recheios favoritos.

Tentei chegar a casa o mais rápido possível, visto que tinha de apanhar transportes. Só pensava nos  croissants, que não podiam esfriar, não tinham piada quando consumidos frios. Quando entrei, chamei-as até à cozinha e mostrei-lhes o que lhes tinha trazido. Estava toda entusiasmada e esperava vê-las a comer os croissants com deleite. Mas foi aqui que tive a minha surpresa, que foi a falta de entusiasmo delas. Sempre gostaram imenso dos croissants, mas não quiseram comê-los logo. Disseram que não tinham vontade, estavam cheias. E eu que corri para que os pudessem receber quentinhos. Fiquei mesmo surpresa com a aparente apatia que a minha surpresa suscitou.

3 comentários:

  1. Quem tem acesso a tudo, dá pouco valor às coisas. Já os meninos davam muito valor porque raramente devem comer tal petisco!
    A tua irmã e mãe, mais do que ao croissant em si, deviam ter dado valor ao teu gesto. Mas minha querida, de nada vale remoer em coisas passadas. Nem criar angústia pela falta entusiasmo dos outros. cada um é livre de agir connosco conforme lhe apetece.
    Se ofereceste os croissants de boa vontade e com carinho, fizeste a tua parte. Se os ofereceste para receber em troca gratidão, fizeste a tua parte mas não conseguiste aquilo que gostarias de ter recebido. No entanto, penso que em qualquer dos casos não possas entristecer-te com isso. Não podemos exigir entusiasmo dos outros por coisas nossas.
    Bj, bom fdsemana!

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    Respostas
    1. Só me lembrei desta história e achei curioso. Já faz tanto tempo! Quando dou não espero receber mas esperava surpresa. Acho normal, quando a intenção é surpreender queremos ver esse resultado :) No sadness here, nem então, nem agora :)
      Bjs

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