Há 15 anos comprei numa chique loja de decoração um sofá insuflável. Azul, feito de plástico transparente muito resistente, era um objecto de grande utilidade e com a sua graça. Quando me sentei nele descobri um elevado nível de conforto. Estava muito contente com a minha aquisição. Até ter visto uma coisa verdadeiramente chocante.
O que vi foi a impressão empoeirada de uma sola de um ténis, situada no interior do braço de descanso do sofá. Uma impressão perfeita e pequena como a de um pé infantil, que estava claramente a denunciar uma realidade: CRIANÇAS tinham estado em cima daquele material. Fiquei com o olhar fixado naquela perfeita impressão. Como podia agora sentar-me confortavelmente e relaxar naquele sofá, quando suspeitava que a sua origem de fabrico consistia na exploração de crianças, no TRABALHO INFANTIL?
Comecei a pensar na loja onde o comprei. Não era uma loja dos 300, a grande novidade da altura, cheia de variados artigos a preços acessíveis. Não. A loja onde encontrei o sofá era uma loja «pomposa».
Assim que se pisa a entrada os olhares dos lojistas fixam-se em ti e no passo a seguir um deles chega-se de imediato e pergunta se nos pode auxiliar com alguma questão. Era um tipo de loja na qual não nos conseguimos sentir totalmente à vontade, porque cada movimento é seguido por olhares e qualquer paragem mais demorada a olhar um artigo origina da parte dos lojistas o típico comentário que visa justificar o preço cobrado através da qualidade dos seus produtos. É um ambiente desconfortável, entendem? Como pode uma loja assim comercializar artigos de proveniência duvidosa? E ainda por cima cobrar valores elevados e maximizar o lucro em cima do trabalho infantil??
A verdade sobre a sociedade comercial na qual vivemos é tudo menos bonita. Se formos a olhar para a origem de tudo o que está há nossa volta e tivéssemos de prescindir das coisas que exploram terceiros, provavelmente não teríamos NADA para vestir, calçar, andar, usar, brincar ou comer. A simples canela que se encontra a preços baratos por todo o mundo é fruto de exploração. O cacau consumido pela maioria das marcas de chocolate também provém de EXPLORAÇÃO INFANTIL.
Os anos passaram desde que aquela impressão empoeirada de um pequeno ténis infantil tornou-me cúmplice de um acto de escravidão.
Os anos passaram mas a exploração infantil ou o trabalho de escravo não parece ter sofrido grandes revezes. Continua tudo muito «mascarado», oculto em burocracias e em políticas. A China é o país mais famoso por EXPLORAR o seu povo e documentários feitos com câmaras ocultas retiram quaisquer dúvidas de que este é um povo escravizado. No entanto, cá está a política, os acordos com a China, a abertura do nosso mercado comercial para os produtos chineses e agora a compra da nossa dívida…
Estas decisões têm um preço e começamos agora a sentir os problemas sociais e económicos que derivaram dessa abertura do mercado português para os produtos de fraca qualidade e preço acessível chineses. Uns apontam as famosas lojas dos 300 como a origem do problema mas, se calhar, as lojas mais finórias também não resistem à tentação das margens de lucro elevadas, acabando por se associarem ao comércio de exploração.
Sempre que puder, vou optar pelo COMERCIO JUSTO. Começar por consumir o produto nacional é a primeira coisa a se fazer, a mais sensata a mais fácil. Mas como nada é transparente e a exploração parece ser um fenómeno global, fica difícil escapar à cumplicidade involuntária.
Há dias entrei numa conhecida loja de roupa e comprei um muito necessitado casaco. No acto de pagamento, pedi para que removessem o preço. A rapariga atrás do balcão pega na tesoura e, além do preço, corta também a etiqueta. Quando cheguei a casa fui inspeccionar o casaco à procura de uma qualquer etiqueta, mas nada encontrei, a não ser uns fios brancos resultantes da tesourada. Será normal cortarem a etiqueta de um casaco? Qual a origem? Que instruções de lavagem são as recomendáveis? Quem fez este casaco??
É importante tomar consciência sobre as empresas que realmente praticam o comércio justo e, como consumidores, não colaborar com as que fecham os olhos à exploração e aos direitos humanos. Hoje, na RTP2 ás 23.30, vai passar um documentário que merece uma espreitadela. Vejam.