Não só não os sei imitar, como me passam ao lado.
Já cometi a «gaffe», por assim dizer, de conversar com alguém por uns minutos e acabar por ouvir as pessoas a me dizer: «então não se vê logo pelo sotaque?».
Só oiço o português. A forma como me chega, quase sempre passa despercebida. Venha com sotaque do alentejo, do norte, do sul, dos Açores, dos emigrantes. É isto um mal? Ou um bem? Acho que demonstra o quanto não é de meu carácter a tendência para descriminar, por isso considero um bem. Porém, dependendo da ocasião, pode vir a ser um mal. Quando para os outros isso importa e a mim não, acabo por virar vítima desta situação.
Sou a portuguesinha, Lisboeta assumida em mensagens anteriores. É suposto ser aqui o «sotaque zero». Ou seja: o povo de Lisboa não fala com sotaque. O português-padrão é aqui, é o que é divulgado nos meios de comunicação em massa, considerado «sem sotaque».
Hoje deu-se um acidente de viação numa estrada do norte. Um camião-cisterna virou e derramou ácido. Estou atenta à notícia quando o entrevistado diz: «o camião viroue». A palavra viroue ficou ali a pairar uns instantes no ar até me lembrar porquê: era assim que o meu avô falava. Com sotaque do norte.
Minha avó também. Embora seja Lisboeta e quase nunca saiu para além desta cidade, o seu português falado está cheio de expressões com «sotaque» que, para minha vantagem ou desvantagem futura, me enternecem quando as escuto.
No entanto, toda a minha vida, estas características das pessoas mais próximas a mim passaram-me ao lado. Era tudo igual. Escutava-os, entendia-os, e nenhuma diferença continua a me fazer se os escuto a dizer «bassoura» ao invés de vassoura. Entendo-os perfeitamente de qualquer das formas que tenham para se expressar. O curioso para mim é só recentemente ter percebido esta coisa dos sotaques e de que forma fizeram eles parte da minha vida, sem lhes ter prestado mais um pouco de atenção.
Podemos ser fruto que o vento soprou para longe. Mas as raízes nos acompanham por muitas e muitas gerações...
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