quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Mensagem enigmática resultado: desconhecimento e ansiedade


Começou um mês depois de estar no emprego. A superiora apareceu no posto turístico no exato momento em que estava cheia de clientes. Foi o dia em que facturei mais, até hoje. Porque de início ao fim, não parei de atender pessoas. Não tive tempo nem para engolir uma cereja que tinha trazido comigo. Escusado mencionar que durante as 8 horas de trabalho não fiz uma única visita ao WC.

 Ao vê-la chegar tive tempo de lhe esboçar um sorriso. Mas ela, nada. Nem pareceu reconhecer a minha presença. Sem dizer uma palavra, um cumprimento, percebo que tem o semblante carregado. E com essa má cara começa a desviar uns centímetros para lá e para cá os publicitários visuais normalmente presentes neste tipo de locais. 

Quero lhe falar, mas estou com clientes a fazer fila. Só tenho tempo de a ver a mexer nas coisas como se estivessem mal colocadas e a ouvir refilar por faltarem alguns panfletos nos mostradores, por os clientes se aproximarem e tirarem um exemplar de cada um. E antes que conseguisse atender todos os clientes, antes de lhe poder falar, ela foi embora.

Deixou contudo algo no ar. Uma energia negativa, pesada, que ficou palpável.
Fui surpreendida. Senti de imediato que o ambiente tinha-se alterado. Estou sempre contente no local de trabalho mas naquele instante percebi que o meu estado de espírito tinha  mudado. E porquê? O que tinha acontecido? O catalizador tinha sido a energia negativa que ela abandonou no local e que pude sentir instantaneamente. Subitamente já não me sentia feliz, o dia estava estragado, tinha deixado de apreciar a função. Tentei concentrar-me no atendimento e extrair daí a habitual felicidade. Mas algo mudou e durou quase até o final do turno.

Para com os meus botões pensei: "tenho de lhe mencionar isto. Que estranhei quando chegou, não me cumprimentou e foi embora sem me dar oportunidade de lhe falar. Tem de perceber que os panfletos que faltavam era porque, obviamente, os clientes os levavam e como estava ocupada a atendê-los uns atrás dos outros, não deu tempo para encher com mais. Nem faltavam tantos assim mas para ela, bastou alguns, bastou uns centímetros de espaço a mais ou a menos do sítio que só ela consegue visualizar que as coisas têm de estar. 

Diria que mais de metade da minha função é "perdida" a dispensar tempo a explicar a não-clientes que ali passam coisas que não são de minha competência, mas que eles esperam que seja, por a empresa carregar no nome a palavra "turistas". Todas as dúvidas que lhes passa pela cabeça, até por preguiça de se informarem no google maps, ou antes de viajarem, chega ali e eles esperam resposta imediata. Por exemplo, ontem, uma mulher chegou-se a mim só a falar o que supus ser russo. Não parava de falar, de gesticular, de me enfiar o telemóvel pela cara a dentro. Outra a falar frances (para não mencionar os que falam só em espanhol), todos esperavam à força toda que lhes colocasse o telemóvel a funcionar. 

Uma exigência muito comum por ali, visto que os turistas nem sempre conseguem se ligar com os seus telemóveis à internet local. Ou não sabem fazer chamadas, não conhecem os indicativos, não têm um telemóvel que funcione fora do país, etc...

Por mais que tente os ajudar - e tento sempre, por vezes dificultam-me a vida, ao não saberem falar inglês, por exemplo. Mas o pior é quando os telemóveis vêm com aqueles caracteres que são "desenhos" para nós. A senhora que supus russa nem tinha o telemóvel com caracteres iguais aos nossos. Os chineses então, quando me mostram os telemóveis todos em caracteres esquisitos que não sei ler - como supõem que os posso ajudar?

É uma situação que se repete constantemente. Acabei por ajudar e muito a senhora que só falava comigo sem parar em russo. Mas sem entender oralmente o que me dizia. Para ela se ligar à net "gratuita" tinha de se registar no site. Mas "cadê" que ela tinha um email? Nada. Quando finalmente percebeu, introduziu um que não foi reconhecido. Tentei introduzir um meu, mas o telemóvel não tinha os caracteres certos. Acabei por lhe indicar onde ficava a internet a pagar e depois perguntou-me onde eram os lavabos - outra questão muito recorrente por ali. Onde fica o WC, a saída, o parque de estacionamento, porquê o telemóvel não funciona, porque é que não conseguem se ligar à net....


Enfim.

Duas semanas depois uma outra situação resultou num "confronto" directo entre a superiora e eu. Como ela me pediu, deixei uma mensagem no grupo avisando que estava a ficar sem stock de um determinado produto e a perguntar se o podia requisitar numa loja com quem partilhamos produtos. A resposta escrita dela foi esta:

-"A culpa é tua! Não disseste quanto te restou portanto se agora falha é por tua culpa! Eu te avisei quando começaste a trabalhar que todos têm de me dizer quando o stock é menos de 100! Todos fazem isso menos tu. Custa assim tanto? Achas que consegues fazer isso?!!!!".

Eu escrevi-lhe de volta, desta maneira:
-"Simpatizo contigo mas por vezes tens uma forma de falar desnecessariamente agressiva. Se não fiz como indicas é porque desconhecia que existia esse procedimento. Fiz exatamente o que me ensinaste. Registei as transacções na folha de stock e escrevi aqui no grupo. Mas falamos quando chegares, está bem? Cumprimentos".

Nesse dia ela chegou com meia-hora de atraso para me substituir e com má cara. Não se dirigiu ao assunto. Começou de imediato com implicância: "Pensei que já tinhas terminado" (quando só posso terminar de atender clientes e fechar as contas quando aparece quem me vem substituir). "Despacha-te que eu preciso do computador". "Já vim tarde intencionalmente para te dar tempo para te despachares".

Acabei por ser eu a puxar o assunto e achei que tinhamos falado abertamente. Ela acusou-me de tantas falhas que por uns instantes fiquei calada, achando que não adiantava argumentar. As situações estão sujeitas a interpretações. E estas podem estar correctas ou equivocadas. O que ela me estava a dizer é que eu tinha "desculpas" para tudo. As minhas explicações para a situação - inclusive aquela que descrevi acima, eram "desculpas". Se é assim que vai interpretar tudo, então sabe-se que é infrutífero tentar uma argumentação. Se a pessoa é teimosa, estabelece o seu ponto de vista a partir de uma observação sem fundamentá-la ou contextualizá-la e teima que está certa, sabe-se que qualquer argumento cai em saco roto.

Além de me criticar por isso, acusou-me de "chatear" os colegas com uma dúvida que eu devia saber por ela ter dito na formação. 

Do muito que tive de aprender, acho que me saí muito bem. Para quem só estava ali há 30 dias, achava que me estava a sair bem mas, depois das suas palavras, percebi o quanto estava equivocada. Acusou-me de falta de consideração para com os colegas, por ter visto panfletos em falta e por ter dúvidas e recorrer a eles para as esclarecer. Sendo tão nova na empresa, esperava um pouco mais de compreensão para com dúvidas que pudesse ter. Afinal, estou a exercer funções há muito pouco tempo. Acho natural se existirem dúvidas. E acho pior dar uma informação errada a confirmar.

Mas este ponto de vista é um erro meu. Hoje em dia não se querem pessoas assim. Hoje em dia é suposto uma pessoa FINGIR QUE SABE TUDO. E se não sabe, inventa. Finge que sabe e só depois é que vai informar-se, sem incomodar ninguém, usando motores de pesquisa como o google.


O desconhecimento e a busca por saber deixou de ser bem visto. Pretende-se pessoas máquinas, que nasçam pré-programadas com um chip de conhecimento e com um software anti-erro.


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A realidade é que entendi que estou inserida, por duas frentes, num ambiente com pessoas controladoras que esperam telecomandar os outros à distância. Mais tarde explicarei. Uma pessoa pode tolerar, fazer vista grossa, respirar fundo como acabei de fazer e seguir em frente. Se calhar, é só isto que lhe resta, realmente. Se calhar este foi o destino e a escolha de todos os que alguma vez trabalharam para outro. Há sempre alguém que não "regula bem" mas que não pode ser contrariado. Sempre sapos a engolir. Sempre incompetências de tua parte.


Bom, sem querer me alongar neste assunto, quero só explicar a situação em que me encontro agora. A realidade é que dou por mim em aflição cada vez que vou trabalhar. Tenho receio de não encaixar bem um panfleto no sítio e por isso escutar uma reprimenda, tenho receio de ir ao WC na hora errada, receio de escolher consultar o grupo no telemóvel no momento errado, receio de estar posicionada na cadeira na direcção errada (sim, fui criticada por isso), receio de não ter o aviso publicitário para a esquerda ou direita, centímetro a mais ou a menos correcto... Receio de ser vítima de uma cilada. Esse receio é fruto de experiência de vida e surgiu agora mesmo.

Para que entendam, recebi agora pela manhã uma mensagem da superiora, dizendo para ir ter com ela antes do meu turno começar. Como podem imaginar, uma pessoa teme o motivo do pedido. Será que vem aí outra reprimenda? O cérebro começa a pensar "o que será que fiz errado" e um «filme» de possibilidades começa a desfilar. O coração fica aflito o espírito irrequieto. A preocupação instala-se. Este tipo de aflições são como um cancro no espírito, que pode muito bem trazer malfeitas também para o corpo.

Será isto que eu quero?
Deverei me sujeitar?
Dúvidas...

Agora estou aqui, a desabafar e a tentar fazê-lo rapidamente. Quero sair de casa com duas horas de antecedência e descobrir de uma vez por todas que assunto poderá ela querer comigo. Será que foi porque ontem viu o publicitário fora do lugar? Será que isso é motivo tão grave assim? Ou será que teve queixas de alguém? Uma colega foi armar conflitos? Ou será que foi outra pessoa? Ou será que não se passa nada disso? Será que me vai demitir atestando uma incompetência incompatível com as espectativas? 

É exatamente isto que não quero para mim. 
Não devia ser assim.
Não esperava que fosse.

Espero que não seja. 
Mas se existe pessoa com tendência para este tipo de coisas lhe acontecerem, essa pessoa sou eu. Tenho de aprender de uma vez por todas. Seja lá que lição tenha de tirar daqui. Se for para fingir competência e conhecimento, que seja! Em roma sê romano... não é mesmo?

Mesmo sabendo que fui eu que ensinei algo a uma colega que surgiu na empresa dois meses antes de mim, e tendo a percepção que não falhei tanto assim ou cometi erros graves - pelo menos que tenha conhecimento. 

Da vossa experiência de vida e por aquilo que observam, o que têm a dizer?

3 comentários:

  1. Bullying no seu melhor... obviamente, se mostrares confiança nas tuas capacidades... representas uma ameaça para a tua superiora, que se poderá sentir, por ti ultrapassada... se te mostrares insegura... contigo mesmo... ela controla-te... e ainda te pode fazer a folha, para alguém mostrando as tuas "falhas"...
    Trabalhei num lugar ligado ao turismo... onde se procurava abalar o lado psicológico das pessoas... o meu hobby lá... tornou-se em mostrar as falhas... dos meus superiores, que me acusavam de ser eu a falhar... por causa de situações, por eles arranjadas...
    O meu superior gritava comigo... eu deixava-o berrar... e depois mostrava a folhinha, com a assinatura dele, que confirmava que tinha tido conhecimento de determinada situação, com ordens para se agir de determinada maneira... e eu saia tão leve daquela sala... depois de cada sessão de gritaria... enquanto tinha colegas lavadas em lágrimas todos os dias... completamente aterrorizadas...
    Quando saí de lá de vez... ficaram 3 pessoas, no meu lugar... que não duraram nem 4 meses...
    Deixei 3 pequenas pastinhas, com situações por resolver... quando lá cheguei... havia um armário cheio, de uma parede a outra... e ainda me fartei de ouvir por causa das três pastinhas!...
    Seis meses depois... telefonaram-me, davam tudo e mais alguma coisa, para eu voltar... Temos pena!... Foi a resposta!... Thanks, but no thanks!... :-))
    Nunca te deixes pisar... e não percas a confiança em ti mesma... hoje em dia... tudo gira à volta disso...
    Beijinhos
    Ana

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    1. Oh Ana, que situação terrível...
      Que infelizmente consigo visualizar e sentir muito bem. NINGUÉM merece trabalhar em locais assim. Ter de chorar todos os dias, escutar berros... crueldade. Diria até imaturidade, falta de competência.

      Aqui no UK está por TODA A PARTE. Uns papéis com uns dizeres que considero CONDESCENDENTES e PASSIVO-AGRESSIVOS. Mas prende-se um pouco com o querer eliminar o que descreves.

      Quando entras num banco, até mesmo num autocarro, em cada supermercado ou local de comércio, deparas-te com dizeres do género:

      "Os funcionários esperam ser tratados com respeito. Espera-se que os clientes sejam respeitadores, saibam respeitar e tenham o seu lugar respeitado. Qualquer situação contrária será penalizada. Não se admite faltas de respeito".

      Fizeste bem em dar um pontapé na bunda desses ingratos. Quer dizer: três pastinhas, fizeste mal, tem armários delas e tu não prestas mas se voltasses... Ahahah.

      Deus nos livre de locais assim.

      Beijos e obrigada pela partilha.

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  2. Que todos temos momentos melhores e piores na vida.
    Profissional e pessoal.
    E temos que saber ultrapassá-los.

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