quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Minha avó e sua geração - parte dois

!A Voz da Saudade", é uma espécie de reportagem/documentário a passar na RTP que fala sobre Maria Estefania Anacoreta, do Movimento Nacional Feminino, que em 1966 foi para as regiões de ultramar levar até os soldados mensagens gravadas em fita dos familiares que deixaram para trás. Foi comunicar as saudades de mãe, pai, irmãos, primos, avós, foi reforçar o amor de namoradas, foi comunicar a alguém que havia sido pai. Enfim, uma história bonita de um passado que não sendo tão distante assim parece estar a anos-luz do conhecimento da geração seguinte e até mesmo de alguns que o viveram.

É a beleza dos meios audio-visuais. Eles preservam uma determinada altura do tempo, "congelam-a" e trazem as emoções todas de volta. Isso é muito emotivo. Trazer "de volta" a voz dos que já morreram. Recordando quem foram, o seu calor, a sua vida.

Mas apeteceu-me vir escrever sobre isto porque ao deparar no zapping com a ida da senhora a um almoço de confraternização com um dos batalhões ao qual levou notícias no passado, percebe-se de imediato que chega e toma conta da situação. Que é vibrante, alegre, determinada, dona de si, animada e atrevida, o que os americanos dizem "sassy". E bem disposta. No sentido de que, a pesar de terem vivido em tempo de guerra, de perda, morte, de terem sofrido e envelhecido, a postura diante da vida é optimista. Não têm o pessimismo que parece existir agora. É guerreira. Faz por pensar positivo. No mater what.

E é isto que me impressiona. É isto que admiro nesta geração. Algo inteligível, que ainda não sei precisar com poucas palavras, mas que identifico com facilidade. E tudo isto fez-me lembrar minha avó. Ela era diferente desta senhora, mas ao mesmo tempo muito igual. Parecida na idade, parecida na energia e na afabilidade. Diferente na formação, no tipo de vida. Mas parecidas. Jamais vou esquecer que uma familiar definiu minha avó como "arisca". E acho que lhe cai tão bem! Só conheci minha avó, naturalmente, já avó. Não sei quem era como jovem. Quem era como pessoa e mulher. Só posso imaginar quem deve ter sido com a minha idade. Mas conheci-a bem como avó, e a pessoa que era como avó, como vizinha, como esposa. E já velhota, sem memória, ela continuava a ser muito ela. Tinha o mesmo brilho no olhar, o tal olhar que meu avô emocionado uma vez me confidenciou ser "muito bonito". Mantinha o seu espírito vivaço e bem disposto. Em consciência não queria perder-se em amarguras e tristezas. Recusava-se. Queria mexer-se, ser activa, sair de casa. Os maus momentos não eram negados mas também não era para se pensar muito neles.

Simplesmente acho que existe algo a aprender aqui. Algo que não vai existir na geração que agora envelhece. Acho que vamos ser uns velhos desinteressantes, tristes e amargurados. Muito "abraçados" às perdas. E eles, que realmente perderam tanto, filhos e possibilidade de uma vida melhor, não o fizeram.

2 comentários:

  1. Sei do que falas é assim que vejo a minha mãe que também é avó, começou a trabalhar aos nove anos, teve uma vida muito dificil, mas nunca perdeu a alegria de viver, sempre com muita energia e um pouco malandreca :) é a minha ancora

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    1. Ainda bem que alguém me entende :)
      Eu tive uma avó assim mas uma mãe que saiu a tudo à mãe (minha avó) menos nisso. Aí ela é o oposto.

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