quinta-feira, 8 de julho de 2010

Violadores de crianças

Eis um tema sobre o qual não se gosta de falar abertamente, mas é preciso. Foi devido ao programa da Oprah, na Sic Mulher, que lembrei que este é um dos assuntos sobre o qual já estive para falar neste blogue.
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Acho que a postura da sociedade perante esta realidade (não lhe chamemos outra coisa senão a verdade) pode, indiscutivelmente, ser dividido no tempo, como se fosse feito um traço a giz.

Eis a divisão: 
ANTES - (CASA PIA) - DEPOIS

Vou falar do antes. Dos anos 70, inícios de 80. A criança que fui foi educada a desconfiar de estranhos. Mas não de conhecidos ou pessoas a quem nos é dito que podemos confiar. Se não fosse a intuição...

Bem, nesta altura não sei bem como os adultos lidavam com a existência da pedofilia mas tenho memórias que revelam que esta realidade existia. Lembro que costumava aparecer na zona um homem que era corrido com gritos, ameaças e pedradas. Costumava... exibir-se. Num belo dia, foi apanhado a incentivar uma criança a tocar-lhe com a boca no pénis. Era "doente da cabeça" e o flagrante, tanto quanto sei, era um assunto quase secreto, dito entre quatro paredes, sempre antecedido de um pedido de absoluto sigilo.

Era e sempre foi assim a realidade da PEDOFILIA na sociedade portuguesa. Acontecia, mas não se falava disso. Como se pudesse alastrar-se só por mencionar-se. Acredito que até é um facto, mas não se deve calar, porque a ameaça desta realidade não deixa de existir, não deixa de fazer vítimas. E assim, os criminosos (?) ficam muito mais protegidos que as vítimas.

E agora o outro ponto da situação. Uma realidade mais feia, mas tem de ser assumida. Muitas vezes, não poucas quanto isso, os adultos recusavam-se a acreditar. Simplesmente não queriam aceitar que um adulto pudesse ter tido relações sexuais com uma criança. Preferiam fechar os olhos e não encarar a situação de frente. E voltavam a vitimizar a vítima, que é frágil na sua condição de criança, acusando-a de estar a inventar ou a imaginar. Esta falta de amparo por parte do adulto a uma criança que tenha tido força para expôr a situação é tão ou mais criminoso. É muito doloroso - imagino, para uma criança violada, desabafar com alguém que avalia poder confiar e verificar que ainda é acusada de ser má, mentirosa.

Mas também isto tem uma razão de ser. É que acusar alguém de um acto tão vil (?) também não era algo feito de ânimo leve. As pessoas nem gostavam de verbalizar esse pensamento. Algo que agora é feito até com alguma leviandade, o que também não me parece correcto. Será que entendem o quanto uma pessoa debatia-se para não acusar um inocente? Sobre PEDOFILIA, ninguém acusava ninguém até existirem provas concretas sobre a culpa do indivíduo(s). Com o caso CASA PIA, tudo mudou. Para melhor.

ANTES DA CASA PIA
Vivi um episódio onde tive oportunidade de acompanhar uma denúncia de abuso a crianças num infantário. A denúncia foi investigada. Falou-se com a pessoa que fez a denúncia. Falou-se com pessoas na rua - vizinhos que, nada sabiam, mas já tinham ouvido falar de alguma coisa, embora nada soubessem e conhecessem crianças vizinhas ou da família que lá tinham sido educadas e nunca denunciaram nada. Embora já tivessem ouvido boatos de uma ou outra criança que manifestou problemas, mas não as conheciam pessoalmente ou era coisa de adolescência ou invenção. Foi-se até o local onde, suspeitamente mas sem constituir prova de culpa, de imediato a nossa presença foi detectada e, como reacção, pessoas entraram numa viatura sem os seus rostos poderem ser vistos, saindo do local num veículo com vidros espelhados. Em toda a localidade já se tinha ouvido falar do caso. Há anos que corriam rumores. A polícia sabia, as pessoas sabiam mas as crianças continuavam todas a ir parar àquele lugar suspeito porque "nunca tinha sido provado nada" porque podia ser tudo uma enxurrada de mentiras e porque - pasmem-se, não havia outro no local para as mães porem as crianças! E como tinham de ir trabalhar e as deixar em algum lugar... arriscavam. Porque colocá-las mais longe seria mais caro e mais moroso. Vocês arriscariam? Nesta altura, antes do caso Casa Pia, talvez arriscassem. Hoje, não o fariam, decerto. Mas é que cometer tal injustiça era um fardo pesado e, sem provas, poucos tentavam averiguar para além dos boatos. Acusar um homem inocente de tamanha vilania é também um acto que não se quer cometer. E assim, ano ia, ano vinha, e um sem número de crianças ia para o suspeito infantário. Assim continuou, porque as provas nunca surgiram. Falou-se também com um grupo de mães que, muito receosas de dizer algo impróprio, confessaram que, ás vezes, até desconfiavam que algo se passava, porque os filhos tinham reacções estranhas mas... podia não ser nada e, quando lhes perguntavam, as crianças nada diziam de concreto. Como se o silêncio fosse a garantia da ausência de problemas.

Era assim antes do "circo" mediático do caso Casa Pia mas, depois deste caso ser exposto, a população começou a tratar a pedofilia por "tu". O que antes era tabu, sigiloso, impensável, estava agora na boca de todos. Nos telejornais, nas rádios, na imprensa. A toda a hora.

Devem ter perguntado porquê coloquei pontos de interrogação à frente de algumas palavras no texto acima. A razão prende-se com a interpretação que fazemos delas. Ao longo dos anos vi inúmeros documentários e estudos sobre esta temática. Alguns deles, à semelhança deste programa da Oprah, colocaram-se na "perspectiva" do violador, dentro da mente deste. E se estas pessoas forem doentes? Existe cura? - estas foram as questões que, por anos, colocoram em conflicto alguns psiquiatras e outros entendidos na matéria. Alguns defendiam que o violador era, de uma certa forma, vítima deste "distúrbio mental" e que, se descoberta a causa, o "problema" podia ser irradicado e o indivíduo regressaria à sociedade totalmente recuperado. Essa era a questão: recuperar o indivíduo. Este seria capaz de deixar de desejar ter sexo com crianças e conviver perto delas com naturalidade. Este era o objectivo de muitos psiquiatras que estudavam casos destes.

Intuitivamente, não me pareceu que isto fosse possível. Sou entusiasta, gosto de dar uma oportunidade a todas as ideias mas, assassinos e violadores e a regeneração... verdade ou utopia? Ouvi tudo o que tinham a dizer nesses documentários e acho que é um erro encarar o desejo de ter sexo com crianças uma doença. Não é doença. É normalidade. Para eles, é normalidade. Não conseguem não ter esses impulsos. Assim como quem nasce homossexual não consegue não ter esse impulso, o mesmo acontece para a pedofilia. É uma perspectiva que faz sentido. Não é doença ser homossexual e é um comportamento aceitável em sociedade, que implica apenas amor entre pessoas do mesmo género. O que se passa no cérebro do pedófilo é que ele só se sente sexualmente atraído por crianças. Estas não se sentem sexualmente atraídas por ninguém. São vulneráveis, indivíduos ainda em crescimento, que não sabem o que lhes está a acontecer e não têm escolha. É algo que lhes acontece, algo que lhes é feito. E é aqui que se entra na violação dos direitos. Bebés, crianças e adolescentes são vítimas de um "jogo predador" ou simplesmente de um impulso oportuno.

Não estou a defender a pedofilia nem os pedófilos. Apenas acho que o conceito de "doença" deve ser irradicado, porque induz a erro, desculpabiliza o criminoso(?) e implica a existência de uma cura. Assim como não acredito que quem nasce homossexual deixe de o ser, não acredito que quem nasce pedófilo deixe de o ser. São inclinações sexuais, assim como a bestialidade. Por esta razão, a abordagem que fazemos do assunto deve ser outra. Curas? Tratamentos atenuantes, talvez existam e sejam eficazes. Mas duvido que um indivíduo que deseje crianças sexualmente possa inverter a situação. O que acontece é que tem de se incutir estilos de vida e consciencializar e supervisionar. Quem nasce pedófilo deve perceber que nasce com uma condição inaceitável na sociedade, que lhe é normal, mas que não tem o direito de levar adiante. Porque é criminosa, tanto quanto é o acto de tirar a vida a alguém intencionalmente. Tem de encarar-se como se fosse um indivíduo que nasce mortalmente alérgico ao glúten. Se tocar em algo com glúten, morre. "Fruto" proibido para sempre.  

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