domingo, 7 de março de 2010

Pessoas do Campo V Pessoas da Cidade

O ser humano acredita demasiado em expressões populares, em ideias pré-concebidas e em conceitos generalistas. Num destes dias, deparei-me com uma situação destas e mais ou menos que me obriguei a pensar bem no assunto e a tirar as minhas próprias conclusões.

O tópico de debate foi: "Campo e Cidade: As pessoas que vivem na cidade não sabem o que é uma vaca, nunca viram uma galinha etc, etc..."
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Esta foi a ideia pré-concebida com que me deparei. Decidi pensar a sério no assunto. Afinal, esta "noção" de que as pessoas nascidas e criadas em cidades grandes, como Lisboa, não sabem o que é um animal, tem fundamento? E o contrário, as pessoas que vivem em locais menos desenvolvidos e mais campestres, sabem o que é uma galinha?



Para entender melhor este conceito, fui analizar-me a mim mesma. Citadina de gema, nascida e criada em Lisboa, num bairro não muito tradicional e bem desenvolvido, perto do aeroporto, perto de centros comerciais, cinemas, parques infantis, auto-estradas, rio Tejo, quartéis militares... enfim: sou a personificação citadina perfeita para testar esta "definição" de que, na cidade, somos uns "perdidos", uns ignorantes sobre o verdadeiro aspecto dos animais que nos chega ao prato como alimento.
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Olhei então para dentro em busca da resposta. Não sei o que é um coelho? Uma vaca? Um cavalo? Uma ovelha? Uma galinha? Um pato? Vamos lá ver...
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Não podia concordar. Sei perfeitamente o que é cada animal, conheço-os. E não é somente pela televisão, pelos livros, pelo ensino na escola. Sei o que são mesmo quando, no supermercado, não passam de pedaços de carne com etiquetas. Sei o que é o fígado de porco, o que é uma determinada parte da vaca... então, porque acham que não posso saber?
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Depois olhei para o lado dos "não citadinos". Afinal, que contacto têm com tais animais? Descobri que muito pouco ou quase nenhum. Não passam, para alguns, de memórias de infância, de experiências antigas e esporádicas que os marcaram, pela pouca frequência com que aconteceram.



Perante tal descoberta, é justo continuar a alimentar essa noção de que, na CIDADE não se sabe o que é um animal domesticado? Claro que não!
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Meses antes, este mesmo grupo recebeu bilhetes para o jardim Zoológico de Lisboa. Pela forma de conversarem, percebi que os "do campo" estavam bem mais entusiasmados com a possibilidade de voltar a ver os elefantes, e, principalmente, os golfinhos... os citadinos, nomeadamente os de Lisboa, como têm quase sempre tudo tão disponível, não se entusiasmaram tanto.
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Chego então à conclusão que, os da cidade só perdem para o agricultor. Para aqueles que ainda vivem mesmo da terra e lidam com criação de animais. O resto é folclore.


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OS ANIMAIS E NÓS

Nem sei quando comecei a perceber o que são animais do campo, porque nunca senti que me faltava perceber fosse o que fosse. Na escola primária, aprendi tudo o que havia para saber sobre a diversidade do reino animal, da fauna e da flora... não se pode desmerecer o papel do ensino nesta parte. Até porque a maioria da literatura destinada às crianças visando o seu desenvolvimento psíquico e motor envolve a compreensão inicial do Pato, do Gato, da Quinta, do Porco, etc... de onde vem o leite? Da vaca! De onde vêm os ovos? Da galinha! Portanto, não vamos deitar por terra o precioso contributo dos primeiros anos de vida de uma criança.
No meu caso, sempre vi animais e nunca precisei sair da cidade para isso. Sempre surgem "aqui e ali". Lisboa não é uma metrópole de costas viradas para a natureza. Sempre vivi em zonas com muitos jardins, alguns dos quais com diversos animais. Patos, gansos, galinhas, aves de toda a espécie, pavões, coelhos, peixes... o jardim da Estrela, o jardim do Campo Grande continuam onde sempre estiveram, disponível a todos os que os queiram visitar. No meu tempo, faziam-se piqueniques nestes locais... ainda hoje, dividir o espaço com pavões enquanto aguardo na paragem de transportes a chegada do autocarro não é nada de surpreender quando no Campo Grande. Aqueles que estranham a presença destas aves, são os não citadinos...
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Sou citadina e só por isso não sei o que é um animal do campo? Vão-se lixar! Devo ter mais contacto com animais do que alguns a viver em localidades pequenas. Ainda a semana passada levei a filhota às aulas de equitação, onde ela e as amigas vão criando laços entre si e os animais. Há uns meses fiquei a tomar conta de outra criança, muito irrequieta e levei-a à quinta pedagógica, onde, além de estar ao ar livre, pode interagir com os animais: correu atrás das ovelhas que estavam a ser recolhidas para o estábulo, viu como comem, deu pão às cabras, deu festas ao burro... tudo isto é válido e permite uma interacção que prova que os laços entre o campo e a cidade nunca foram cortados. Quando era criança, não foi só numa das muitas Praças (mercados) de Lisboa que tive contacto com o comércio de animais do campo para consumo humano. Também existiam quintas, que a população, na maioria com origens no campo, mantinha perto de casa, para se sentirem ligados à terra. Vi os coelhos, dei-lhes de comer, pedi para que não fossem mortos para o nosso almoço...
Hoje em dia, a minha vida continua povoada de animais. Passo todos os dias por rebanhos e manadas, mais que não seja pela estrada. Na rua que tenho de atravessar, alguns moradores mantêm animais do campo, como galo, galinhas, cabras, ovelhas e patos. Todos os dias oiço-os a cacarejar ou a balir... mas o que mais escuto, é o ladrar! Porque os cães, não os comemos, mas também são animais e ali fazem guarda, latindo à passagem de cada peão.
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Para mim ficou provado que esta noção de que na cidade as pessoas não sabem o que são animais do campo, é totalmente descabida. Não só conhecemos estes, como aqueles que facilmente podemos encontrar no Zoológico e no circo. As pessoas da cidade nunca viraram as costas às suas ancestrais ligações com o campo. E a cidade também não esquece a importância da natureza e da diversidade na vida das pessoas.

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