quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

O desagradável Parasita

 

Uma colega de casa, muçulmana, decidiu aceitar o convite de casamento de um rapaz que conheceu em Londres, há um mês. Aos 38 anos, desesperada por viver a norma cobrada pela sua cultura e religião e ser mãe, disse-me que casou subitamente com um homem de 48 anos. Ele vive há 20 no Reino Unido. Percebi logo que já devia ter tido filhos com outra mulher. A colega de casa, com quem sempre me dei bem, confirmou que sim. Mas não elaborou e também não quis que o fizesse. Respeitei. 

Não sou de condenar este tipo de uniões. Aqui onde moro o número de casais formados desta maneira é substancial. E como não considero que a forma como fui criada é melhor do que outra qualquer, consigo ver aspectos positivos em ambas as formas de se encontrar parceiro. Em qualquer forma, para ser honesta. Cada qual, a meu ver, tem de fazer conforme o seu coração mandar. 

Não é necessário ter um amor, sentir tudo e mais alguma coisa... É bom. É como eu sou. Mas não é o melhor e não é, necessariamente, sinal de que tudo vai correr bem. Existem casamentos arranjados que, aparentemente, deram certo. E existem muitos casais loucamente apaixonados, que se destroem e magoam. 

Portanto, certezas não se têm. Fiquei um pouco espantada por ela o conhecer apenas à quase dois meses. É um grande risco. Mas aos 38 anos, no lugar dela, talvez fizesse o mesmo. Porque não? Andava mesmo a fantasiar que, se do nada, conhecesse alguém que me fizesse sentir aquelas borboletas no estômago ou se interessasse por mim verdadeiramente ao ponto de conquistar o meu afeto ao me apresentar na vida muito daquilo que anseio que - se isso viesse a acontecer - se calhar ia mergulhar nesse desconhecido. 

Quando reflito nestas coisas acabo sempre por assistir à sua concretização em terceiros. Sempre. Nunca falhou. Parece até que os fios do destino andam cruzados. Alguém os cruzou. Eu desejo - outra realiza.

Acho bem por ela - que vai avançar com a sua vida para a frente. Venha o que vier. Será uma experiência, um aprendizado. 

Contudo, o fato veio a alterar a nossa relação e o ambiente na casa. Tenho-me sentido bastante desconfortável nas últimas três semanas. A pesar de me ter contado nessa mesma noite de 16 de Janeiro, por mensagem de texto, que por enquanto iam viver cada qual no seu canto, uns dias ele cá, outros dias ela lá, em Londres, onde ele trabalhava como chef num restaurante, - apesar disso, nessa mesma noite ela já o tinha enfiado no quarto. Mas nada me disse, enquanto trocava mensagens escritas comigo sobre o marido. Foi por isso que, quando lhe respondi que o assunto era importante demais para ser dito por mensagem e que ia descer para falarmos, ela implorou que não o fizesse. Argumentou que tinha o quarto desarrumado e apelou às "armas grandes", dizendo para não descer porque a M. andava a circular pela casa e não queria encontrar-se com ela... o que achei estranho. Fora do seu carácter, pois disse-me várias vezes que não deixava de fazer o que precisasse pela casa por causa dela e dos seus comportamentos. Achei que não era sincero. Foi uma tentativa de me impedir de descer. Eu tinha escutado a M. sair. Escrevi-lhe que era seguro. MEDO, ela não tinha. Que o tivesse a proclamar agora por texto, não batia certo. Mas como percebi que não desejava falar comigo cara a cara naquele instante, respeitei. E ficamos apenas a trocar mensagens até que a conversa terminou. 

Depois de me comunicar que tinha casado, também disse que havíamos todos de ir jantar algures num restaurante. Eu, ela, o marido e o rapaz que mora no andar de cima. Achei que era uma honra ter sido incluída no núcleo de pessoas com quem quer comemorar a decisão, pelo que não me neguei. Pensei que ia me apresentar o indivíduo e tudo ia ficar bem.

No dia seguinte, pelas 12h, desço à cozinha e assim que passo pela porta do quarto dela, oiço a porta abrir. Achei um pouco estranho, pois ela deveria estar no horário laboral. Porém, achando que, devido às circunstâncias, podia ter ficado por casa, espreitei só um bocadinho para ver se a via vir. Isso e temer que o barulho da porta não fosse o dela, mas o da M, já que não os consigo distinguir. Porta a bater e porta a bater, não se distinguem por sons.  

Quando recuo um passo e olho para o lado, vejo um vulto de capuz, todo de preto, encostado à porta, a enfiar a chave na fechadura e a trancá-la, lentamente. O vulto vê-me. E não diz nada. Aguardo um reconhecimento. Afinal, é um estranho na casa onde EU moro. Se fosse uma situação inversa eu me apresentaria ao habitante da casa com o qual esbarrei. O homem não diz nada. Olha-me nos olhos, vira a cara. Pergunto-me quem seria. A primeira impressão é que era o "marido" mas, se casou, decerto deve ter convidado familiares. Se calhar era um irmão e ficara a dormir ali com ela. Ou um primo... Aproximei-me e perguntei-lhe o nome. Ignora-me e não me responde. Passam muitos segundos estranhos... de silêncio. Começo a dirigir-me de volta para a cozinha mas travo. Algo não está bem. O homem, lentamente, dirige-se para a porta da saída. Volto a perguntar-lhe como é que se chama. 

-"Hussain" - responde monocórdico e a disfarçar aborrecimento, ao mesmo tempo que me fecha a porta na cara. Tudo lentamente. Assim, sem mais nem menos, julguei ter sido apresentada ao marido religioso da rapariga do andar de baixo. Mas será que seria um irmão? Um primo? Pois na minha cabeça, o marido estava em Londres... e viria mais tarde. Não é um comportamento normal de todo - quando um estranho "apanhado" a viver na casa de outro, não se apresenta nem cumprimenta quem o acolhe. 

Por isso deduzi que ele tinha sido alertado para a presença inquisidora da M. e, não sabendo distinguir uma da outra - embora calculasse que a rapariga tivesse feito uma descrição física de ambas, pois somos distintas - deduziu que era a mim que tinha de ignorar. A rapariga do andar de baixo havia-me dito que ignora a M. Não lhe fala, Como já contei aqui. Deve ter instruído o "esposo" a fazer o mesmo, - pensei. 

Não levei a mal. Primeiro contacto, "apanhado" de surpresa... foi uma reacção circunstancial. 
Dias depois vi a colega de casa e logo começamos a falar do seu casamento. Contou-me que o marido contou-lhe que me viu e eu lhe perguntei o nome. Foi aí que soube que ele sabia que eu não era a M. Ainda assim, teve aquela reação de ignorar a moradora da casa. Estranho
Porém, certamente, agora que estava tudo em pratos limpos, que se confirmara a identidade do homem, que ele sabia quem eu era, que ambos estavam casados e que a colega continuava a dizer que queria que jantássemos todos juntos - ele ia ser mais social da próxima vez que nos víssemos. 

A próxima vez não demorou muito. E foi ainda mais desagradável que a primeira

Julgando-me sozinha na casa - visto que a M. finalmente arranjou uma ocupação que a tira fora daqui (Yupi!!!), desci à cozinha para tentar detectar se a subita corrente de ar frio que sinto no meu quarto vinha do fato da janela do corredor onde fica o WC do andar de baixo é deixada aberta. Desço e quando abro a porta que separa a cozinha do WC, e do segundo quarto do andar de baixo (de um rapaz) - oiço o barulho de água a correr. Alguém está no WC. Provavelmente o rapaz do quarto ao lado. 

Como a janela fica no corredor, e está aberta, tão silenciosamente quanto possível, fecho-a, fecho a porta e apresso-me a voltar ao quarto para poder sentir se a súbita corrente de ar persiste. Mas como tudo faz barulho, senti que a minha presença foi sentida por quem estava no WC. Ao escutar a porta do WC a abrir, pensei tratar-se do rapaz do andar de baixo, intrigado, por ouvir uma pessoa entrar e sair naquele pequeno espaço de poucos metros de corredor. Olho para trás para o sossegar e explicar os meus motivos - se razão tivesse. Nisto, de calção cinza, t-shirt preta e chinelos, diante de mim está um homem desconhecido. Um desconhecido que saiu do WC da minha casa, onde se esteve a lavar. 

Decerto que ele ouviu que uma pessoa estava ali. Ainda assim, escolheu sair do WC naquele instante, ao invés de evitar contacto. Sinal que é de se impor. E não fala. Não abre a boca. Desagradou-me que se mantivesse ali, em silêncio, mudo, obviamente em roupa de dormir, a olhar-me como se fosse invisível, a impor a sua provocatória presença. Frio. Indiferente. Está a olhar para uma das pessoas que MORA na casa com legitimidade - coisa que não é o caso dele. E não cumprimenta, não se apresenta, não faz nada - sem ser IGNORAR a pessoa à sua frente.  

Sinto um forte desconforto. Um súbito mau-estar. Aquela não é uma boa pessoa. É um aproveitador. É um indivíduo capaz de tomar as coisas dos outros. Um "espaçado". Subo as escadas após o olhar enquanto aguardava uma reação. Tenho a certeza que os meus pensamentos espelharam-se no meu semblante. Ao entrar no meu quarto - agora com a confirmação visual de que esta pessoa encontrava-se a viver nesta casa sem mais nem menos, peguei no telemóvel para desabafar. E disse: "Já estou mesmo a ver que daqui a uns tempos, ele vai deixar o emprego e mudar-se de malas e bagagens para aqui, a viver de graça, às custas da F., com quem casou para dela tirar proveito. Ela é que o vai sustentar. ". 

Desde o dia 1 de FEVEREIRO que este indivíduo está a dormir todas as noites aqui dentro de casa. Vive cá. O pior nem seria isso. Mesmo sem cumprimentar ou falar com os outros que aqui estão com legitimidade - porque trabalham e pagam a renda para cá morar e usufruir das regalias de lavar louça, roupa, tomar duche quente, ter uma cama para dormir, etc, etc. Mesmo se tivesse para cá se mudado sem ninguém ser consultado - já de si grave, mesmo sem cumprimentar quem cá vive - também grave - Se ao menos estivesse A TRABALHAR, seria diferente.  Homem NÃO SAI DE CASA. NÃO VAI TRABALHAR. Vive fechado no quarto, de pijama, fala alto ao telefone e assiste a programas de entretenimento. E é só o que faz, dia após dia. Um autêntico PARASITA - que é como o chamo. 


Caramba! Três anos a desejar que a M. encontrasse uma ocupação que a tirasse daqui para fora e quando isso acontece, aparece um PARASITA, para se instalar e fazer o mesmo que ela... Não é justo. 


Nem sei que rosto ele tem mas, deduzi que só podia ser o marido. Após ser apanhado a usufruir da casa onde ele não devia morar - desagradou-me que se mantivesse ali, em silêncio, mudo, obviamente em roupa de dormir, a olhar-me como se fosse invisível, a impor a sua presença. Frio. 

Para mim é uma falta de educação tremenda! E demonstra má índole. Demonstra que é uma pessoa capaz de chegar e apropriar-se. E pensei, à medida que subia as escadas para o quarto, que dali a nada ele ia despedir-se do emprego e mudar-se de malas e bagagens para esta casa. Viver a chular a "esposa", com pretextos de procurar emprego nesta cidade mas, infelizmente, não encontrar. Mais um pouco de tempo e ia também começar a vê-lo a usar a cozinha, a ter de me desviar da sua presença física incómoda e imposta até para me servir de algo no frigorífico. 

Desde o dia 1 de Fevereiro que esta pessoa - à qual me refiro como PARASITA, se mudou para esta casa. NADA nos foi comunicado. Foi IMPOSTO. Não tivemos parecer sobre a matéria. Já o apanhei a lavar roupa na máquina duas vezes consecutivas - tarefa cada vez mais difícil de fazer, porque na semana passada quando entrei em casa vindo do emprego, ia para lavar a minha roupa da semana e a máquina estava a trabalhar. Eram 3 da tarde. Pelas 7, ainda estava a funcionar. Lavou 4 máquinas de roupa seguidas. Pensei tratar-se da M. que sempre foi destes abusos. No dia seguinte, sou acordada com ruídos e decido ir lavar a roupa que não consegui no dia anterior. Desço à cozinha e a máquina está a lavar. Como escutei ruidos vindos do quarto do andar de cima, presumi que a roupa era do rapaz. Como já lhe enviei textos escritos antes perguntando se a roupa era dele para poder lavar a minha depois, senti que podia fazê-lo novamente. Ele respondeu que ia já buscá-la. Escrevi que não era necessário, ainda faltavam uns minutos para a máquinar parar ... oito, na realidade. Só queria saber, pois se fosse da M. ia dar problema. Sempre dá. Ela não retira a roupa e não deixa ninguém retirar. 

Sendo dele, sabia que, com o seu consentimento, podia fazê-lo e assim, despachar a minha roupa. O rapaz desce, eu estou na cozinha, a rapariga passa para o WC, deve escutar-nos a falar da roupa que quero por a lavar, a máquina termina, ele tira a roupa, ela sai do WC e passa de volta para o quarto. Quando me levanto para pegar a minha roupa lá em cima e colocar a lavar, vejo a rapariga passar um um pouco de roupa na mão. Viro-me para trás e vejo-a a colocá-la na máquina. Fico surpresa. É que nem deixou passar uns bons segundos! Não esperava isso. Nunca aconteceu antes, a não ser com a M. Ver outros a tomar comportamentos idênticos à M. é algo que venho a querer tapar com a peneira...

Nisto digo-lhe: Vais lavar roupa? É que foi por isso que eu pedi ao rapaz para tirar a dele. Para poder lavar a minha. 

- Ah, queres lavar a tua roupa agora?
-Deixa estar. Saltaste à frente. Lavo depois. É que só consigo lavar domingo ou segunda... Ontem a máquina ficou a lavar quatro horas. Lavaste roupa ontem? - perguntei, achando que ia responder que UMA das máquinas foi dela. É vaga e responde sim... fui eu. Já não lavava a minha roupa à uma semana. Não, à duas semanas - justifica-se. 

Não acreditei nesse intervalo de tempo. Não batia certo com a sua estada na casa. Mas relevei. Não me interessa. O que ficou claro para mim é que, acrescentando uma pessoa extra à casa, que traz todo o guarda-fatos com ele, a lavagem de roupa passa a ser uma coisa diária e longa... 

Menos oportunidades de tratar da minha. Por causa de um emplastro... um parasita. 


, foi quando vi a rapariga do andar de baixo. 

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