terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

Comportamentos sociais, regras, etiquetas e ser-se rude

 

Esperava que a farmácia abrisse as portas há quase uma hora. A pesar de já estar com a portão meio aberto, ficou claro que era porque estavam a preparar a abertura. Como a farmácia fica no lado de fora da mesma sala que a clínica médica, onde tinha ido tirar sangue, sentei-me num dos três bancos livres a aguardar as 9h. Como as pernas sempre me pesam e não estava ninguém ali, sentei-me de lado, metendo os joelhos no braço da cadeira e deixando as pernas cair para a segunda, mantendo os sapatos de fora. Um pouco desconfortável para as costas, que sentiam a dureza pontiaguda da parede, mas assim permaneci, por me sentir bem. 

Faltavam 10 minutos para as 9, entram duas pessoas. Um casal. A falar muito, a querer entrar logo na farmácia, a constatar o óbvio (que ainda estavam fechados) a perguntar-se olhando para o relógio se ia demorar muito... Ignoro. Nisto a mulher senta-se abruptamente na cadeira livre e imediatamente diz para o "Marido":

-"Não te queres sentar aqui?" - apontando para a cadeira onde os meus joelhos ainda permaneciam em repouso. Ignoro. Percebi o tom de provocação. Como se a minha posição a incomodasse. Continuo com os olhos colados no telemóvel, entretida com as tarefas do jogo. O esposo responde que não. Espero uns instantes e nisto levanto as pernas e sento-me direita na cadeira, deixando a outra totalmente livre. A mulher, imediatamente, levanta-se e continua a caminhar de um lado para o outro, como se tivesse uma emergência qualquer.  Percebi de imediato que o seu interesse pela cadeira desapareceu assim que a deixei livre. O seu interesse por esperar sentada também. Já não cobiçava a cadeira que meus joelhos parcialmente ocupavam quando lá entrou de sopetão. O que queria agora era entrar o quanto antes na farmácia... andando de um lado para o outro mas sem deixar de se ficar  pela entrada... 

Uma FURA-FILAS.

Algo muito comum aqui no Reino Unido. 

Cinco minutos depois entra um outro casal, idoso, a perguntar se estariam no lugar certo, pois tinha sido ali que lhes marcaram uma vacina (Covid?). Não sabendo onde, foram perguntar dentro da clínica, voltando logo de seguida, porque era na farmácia. Também eles se aproximavam cada vez mais da entrada, como se todos os quatro fossem uma boiada prestes a arrebentar ao sinal da subida do portão. 

Aí eles lançam para o ar algo ao que respondo: "Desde que se respeite a ordem de chegada. Primeiro (apontando para mim), segundo - apontando para o casal mais jovem e terceiros" - apontando para os mais idosos. 

Todos ficaram um pouco espantados, e disfarçaram um bocado. Não estavam à espera que alguém lhes desse uma lição de civismo. Tão habituados que estão a entrar conforme se chegam à frente... 

A mulher que me provocou anteriormente, não gostou e olhou para o marido em género de reprovação. Eu podia estar sentada com os joelhos em cima do braço da cadeira enquanto ali estava sozinha - pode até ser lido como "má educação". Mas achei o comportamento dela pior, rude, indelicado e desnecessário. Prova de que não estava interessada em sentar-se de todo, pois se levantou assim que me endireitei na cadeira. 

O seu foco era entrar e passar-me à frente. Cheguei ali 50 minutos antes dela, prontifiquei-me a aguardar pacificamente, para depois vir aquela manada passar-me à frente? Às nove da manhã? Tão cedo? E já ia assistir a estes comportamentos?

Quis deixar claro que existe uma ordem de chegada para se respeitar. São coisas que não são necessárias dizer, sabem-se. É um código social. Todos em Portugal sabem-no. Usam-no. A maioria, pelo menos. Aqui no Reino Unido, esqueçam. Não existe. Não nesta cidade onde moro há tanto tempo. Até hoje é um tipo de comportamento que me é estranho e desagradável. 

Nisto os portões começam a abrir. Chego-me à frente. A mulher baixa a cabeça e coloca-se do lado de dentro da farmácia. Imito-lhe o comportamento e chego-me à frente dela. Esta olha para o marido, como se eu lhe tivesse passado à frente e fosse indelicada. Não quis saber. Ela ouviu claramente e percebeu a mensagem. Depois de lhe passar à frente, ela diz, em tom sarcástico:
-"Pode ir primeiro". 

-"E vou" - respondi. Sem nunca lhe olhar no rosto. O tempo todo, não prestei atenção ao rosto deles. É algo meu... mas percebi a linguagem corporal e os olhares. Vi-lhes as roupas e as silhuetas. 

Depois de a ter ultrapassado e respondido à letra, ela vira-se para o homem e diz, em tom provocador: "Vens, meu amor?". 

Precisou de colocar ali o "my love" para se sentir maior, melhor. Pude notá-lo perfeitamente. Foi um "My love" forçado. Uma mulher a usar as calças, um tanto manipulativa com os homens e confrontacional com pouco ou nenhum motivo. Assim foi a "pinta" que lhe tirei.  

Nisto uma das farmaceuticas perguntou o que eu precisava - respondi que vinha levantar uma receita. E outra perguntou à mulher o mesmo. A dela foi prontamente entregue. A minha demorou um pouco mais. Talvez uns cinco minutos após a mulher ter saído triunfal. Já a imaginava longe, tal era a pressa em ser a primeira a ser atendida. Até pensei que o seu assunto levasse tempo - o meu era rápido - por isso não queria ficar empatada com o assunto de uma fura-filas e "marquei posição" ao referir que existe uma ordem de chegada para ser respeitada.  

Já com a receita na mão e a próxima dosagem combinada, saí dali e decidi ir ao centro comercial que fica ao lado, também este abria às 9 da manhã. Quando vou para subir nas escadas rolantes, um casal mete-se mesmo à minha frente e, sendo casal, ocupa ambos os lados dos degraus das escadas. Percebo depois, ao olhar para o calçado e pernas de ambos, que são o mesmo casal.



Afinal, estavam com tanta pressa, levavam pelo menos cinco minutos de avanço de mim e ali estavam eles, ainda, literalmente, a "pastar" no Centro Comercial. Já deviam estar longe dali... foram despachados rapidamente. Estarem a entrar ao mesmo tempo que eu naquele centro ao lado da farmácia era incompatível com a impaciência que demonstraram ter minutos antes. São apenas pessoas que não gostam de esperar por nada. E lá estavam eles, a empatar as escadas, mais uma vez se lixando para a etiqueta social de que se deve deixar um lado livre para a circulação de quem vem atrás. Quando chegam ao topo, viram lentamente para a direita, e seguem caminhando lentamente, como quem não tem nada mais que fazer na vida, em direcção a uma qualquer mesa de café, onde provavelmente se foram sentar para matar o tempo. 




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