sábado, 13 de dezembro de 2008

A generosidade da doação

Noutro dia, á semelhança do que fazem quase todos os portugueses nesta altura do ano, andei a ver montras num grande centro comercial. É então que sou barrada por uma senhora antes mesmo de sair do interior de uma loja. Aborda-me, quase como que me cerca. Quer algo de mim. Escuto-a sem ser indelicada, mas quando dou a conhecer a minha falta de disponibilidade para ali ficar, ela insiste. Explica-me que está a angariar contributos para duas associações de ajuda a pessoas e crianças necessitadas e que me basta comprar uns lápis de cor ou uns cadernos de desenhos para contribuir. Volto a dizer-lhe que naquele momento não dá. Quero ir embora, sem lhe virar as costas, mas ela não dá a conversa por interrompida e insiste. Acabo por lhe confessar coisas da minha vida que não tinha nada que saber. Entre explicar-lhe que considero esta a pior altura do ano para solicitar contributos monetários, até lhe dizer que sou abordada várias vezes por dia por pessoas com a mesma intenção, até lhe confessar que não tenho dinheiro para disponibilizar a ninguém, nem mesmo os 5 euros que ela tão insistentemente afirmou não ser nada. É que, para muitas pessoas, 5 euros é muito. E é isso que não entendem.
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O processo de doações organizado pelas entidades, está muito burocratizado e incorrecto, para prejuízo de quem necessita de ajuda. Se antes pediam qualquer contribuição, carregando uma caixinha pendurada ao pescoço, com uma ranhura para a entrada de moedas ou notas, hoje já não é assim. Fazem como o MacDonalds: têm um produto de plástico qualquer, sem interesse ou valor, contribuindo para o aumento de produtos inúteis destinados ao lixo, e pedem uma quantia FIXA de contribuição. A GENEROSIDADE alhei tem, agora, de responder a uma TABELA.
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Mesmo que quisesse deixar ali 0.50 cêntimos, para ajudar, não podia. Tinha que disponibilizar o valor por eles afixado, imposto e representado pela presença daqueles artigos inúteis. Mas esse valor, meus caros, é ELEVADO para mim. E concerteza, é também este o caso de muitos. Sei que alguns dizem ou pensam que 5 euros «não é nada». Como disse a senhora, é tão «pouco», que já não dão para comprar leite e pão. Pois é. Pode não dar. E o problema é mesmo esse. A moeda desvalorizou, mas os salários não aumentaram. Pelo que, esses 5 euros podem não fazer diferença a alguns (sortudos...) mas a outros, representa uma ou duas refeições que deixam de fazer, ou um outro bilhete de transporte que não compra e vai a pé, ou mais um acréscimo a uma dívida...
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As instituições entraram no mercado capitalista. Associam-se a grandes grupos económicos para, na compra de Cds que não interessam a ninguém, vender. E só se pensa em lucro. Estes grupos económicos, são os primeiros a ganhar (e bem). Em troca de um cd da "Leopoldina" ou da "Hipopotama" ou outro animal qualquer, o valor que é dado não reverte a 100% para a instituição. Há a comissão, à unidade, para a entidade que cede o espaço, para a entidade que faz o cd, para a entidade que distribuí o cd... e isto é outro aspecto que não me agrada. Andar a enriquecer AINDA MAIS os que já são ricos. E estes, desculpem mas é assim que penso, APROVEITAM-SE da NECESSIDADE dos carentes/doentes par LUCRAR em cima disso. Que generosidade!
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Para quê vou eu comprar um cd por 3 euros? Prefiro dar os 3 euros directamente a quem deles precise. Será que me faço entender?
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É claro que, tem o lado da comodidade e da invisibilidade. Comprar um cd num supermercado, não te dá trabalho, não te obriga a deslocar a nenhum lugar, e aumenta a percentagem de pessoas que fazem donativos, visto que, muitas vezes, o dia-a-dia, a rotina, não nos faz ir bater á porta de instituições de caridade com facilidade. Sim, são estas que têm de vir nos abordar. Mas CALMA!...
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Ou tenham atenção ao escalão-tipo de pessoa que querem abordar. Concerteza, grande parte daqueles que podem dar 5 ou mais euros sem grandes preocupações, rapidamente esticam o braço para alcançar num expositor um cd. E de grão a grão, enche assim a galinha o papo. Mas também se aplica o mesmo conceito à doação tradicional. Que o digam aqueles que pedem no metro. Invisuais (ou não), crianças que tocam um instrumento musical ou não, que entram de carruagem em carruagem a solicitar ajuda monetária e, em apenas uma hora, amealham várias moedinhas que, de carruagem em carruagem, só fazem é barulho ao cair.
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Sou uma pessoa generosa. Pelo menos assim me considero. Não faço tudo o que posso pelos outros (ninguém faz), mas também não faço parte dos muitos que aí andam que só pensam em si mesmos. Já fiquei com fome para que outras pessoas pudessem comer. Já dei a uma idosa na rua, a última nota que guardava no bolso e estava desempregada e sem dinheiro. Não que isto me faça sentir especial, mas cá está: vejo a carência, é palpável, sei (ou penso que sei) que, pelo menos naquele dia, aquela pessoa tem como comer alguma coisa ou comprar um medicamento. Posso ser enganada - acho até que já fui, num caso de uma pessoa que me veio bater à porta com uma história muito triste envolvendo um filho e há qual dei todo o dinheiro que consegui colocar de lado para comprar os presentes de natal. Provavelmente, serviram para comprar droga. Ou talvez não. É um risco que se corre neste tipo de doação. Mas é um risco como outro qualquer.
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Nesse dia em que fui ao centro comercial, as abordagens para contribuir com dinheiro para alguma coisa não cessaram de surgir. Caminho depressa, porque sempre tenho pressa para chegar rapidamente a algum lugar, e faço-o a pé ou de transportes. Mesmo assim, ainda conseguem abordar-me. Logo que saí desse centro comercial, uma rapariga coloca-me nas mãos um almanaque, preparando-se de seguida para me cobrar o valor do custo. Devolvo-lhe o papel e continuo a caminhada. Aí o telemóvel, que está há um mês sem dinheiro, dá aviso que recebi uma mensagem. Vou ver: é a empresa de telemóvel a solicitar um SMS para doar dinheiro há UNICEF. Chego ao local de trabalho, e tenho mais uma meia dúzia de outras instituições e associações a solicitar donativos para algo: crianças com paralesia cerebral, ajuda de mãe, mulheres com cancro da mamã, jovens grávidas adolescentes etc...
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E penso: será que toda esta MASSIFIDADE e exagero, aliada há abordagem por vezes invasiva para conduzir o indivíduo à doação, não vai ser um tiro que faz ricochete?
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Isto é como tudo: quando é demais, deixa de ser ver. Torna-se invisível. E um dia, quando se falar de todos estes males que afligem tanta gente, não se pensa mais nas pessoas, nem na dor e no sofrimento. Só no incómodo que é ser sempreabordado com pedidos de donativos em valores fixos de dinheiro, para tudo e mais alguma coisa. De facto, se formos a dar a todos, não nos sobraria muito para aguentar um mês... nem uns dias.
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Gosto de dar. Mas ao meu ritmo, sem assédio ou pressão. Gosto de dar o que tenho, talvez até um pouco do que não tenho mas não faz mal... gosto de dar novo uso ás coisas, gosto de reciclar, gosto de dar de mim a quem precisa. Existem muitas formas de dar.

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