Metereologia 24 h

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sábado, 28 de novembro de 2015

Sobre a cremação

Faz-me confusão a rapidez com que a maioria(?) por cá escolhe livrar-se das cinzas dos seus falecidos cremados. 

Tive três familiares cremados. Suspeito que essa não era a vontade de NENHUM mas este já é outro tópico. Acontece que, tendo sido cremados, fez-me confusão o destino pouco cerimonial das cinzas. Ficaram por ali mesmo, no cemitério. Logo a seguir a terem sido colectadas do forno crematório, foram despejadas sem grande preparo num pequeno buraco cavado num pequeno rectângulo de terra relvada (Cendrário). Despejadas umas em cima de outras cinzas, de outros indivíduos que ali chegaram primeiro. Na realidade, foi fácil perceber que aquele pedaço de chão está congestinado de restos mortais de milhares de almas. 


O que me faz confusão é a pressa dos familiares que revelam «urgência» em se desfazerem das cinzas de imediato. As cinzas não são um corpo. Acho que ainda se confunde a urgência do enterro de um corpo e se transfere a mesma para as cinzas. Cinzas não fedem, não se decompõem e não ocupam muito espaço.
Exemplo de uma Urna
Sinceramente? A meu ver faz mais sentido manter as cinzas por perto. Pelo menos por uns dias. Na realidade, idealmente por um ano. E então, fazer a cerimónia do destino que lhes querem dar. Se for ficarem no canteiro de flores do jardim de casa, óptimo. Se passado algum tempo optarem pelo columbário no cemitério, tudo bem. Se for serem lançadas ao mar, que seja*1. Se for do alto de um penhasco, acho bem. Virar semente? Perfeito!*3 Mas aquele despreendimento e - talvez - pavor com que depressa se querem livrar das cinzas... a mim não me diz nada e, de certa forma, emana más vibrações.

Urna Biodegradável com semente
Passaram-se anos e ainda sinto que gostaria de ter guardado as cinzas dos meus avós. Não precisavam de estar guardadas na totalidade nem de ficarem armazenadas naquelas urnas do tamanho de um pote. Gostaria de as ter por perto num receptáculo próprio, respeitoso, ou até mesmo uma parcela num pendente. Algo assim simbólico, mas muito representativo. E por isso sou da opinião que as cinzas podiam ficar com os entes queridos que as desejassem. Divididas em mais de uma urna, para mais tarde se proceder a destinos diferentes, se necessário fosse. O que, na prática é possível mas raramente é a escolha da família tradicional, que ainda não fez a transição dos hábitos funerários de um corpo para os possiveis hábitos funerários de restos cremados. 

Imagem retirada da net (Brasil)
O mar já está demasiado poluído para ter de levar com mais umas gramas de cinzas que o vento, de resto, vai espalhar. Mas, se essa fosse uma das vontades expressas do falecido, porque não? Por acaso há algo mais belo e que produza um desfecho mais pacífico para a sensação de perda de quem vive do que realizar as últimas vontades da pessoa que se foi? Não me parece. E se o falecido também fosse gostar de ser despejado debaixo de uma árvore da qual cuidou em vida? Então, cumpra-se essa e a outra vontade. Quem diz que os restos mortais em cinza têm todos de ir juntos para o mesmo lugar?

Acho que estamos muito pouco desenvolvidos para aceitar os diferentes destinos que se podem dar às cinzas dos falecidos. Ao invés de sentir o que é certo, pensa-se nas convenções e tabus sociais*2. Estes devem ser levados em conta, não digo o contrário. Mas com peso e medida. Não devem ser limitativos e castradores. Ou então é-se simplesmente quase indiferente ao destino das cinzas e, como algo que se tem de despachar rapidamente para cada qual ir à sua vida, ou seja, por egoísmo, despeja-se logo ali e não têm de pensar ou sentir mais nada a respeito. "Ficou despachado" - como já ouvi. É uma opção. Mas tem de ser a mais escolhida??


Não tenho dúvidas de que daqui a várias décadas, as pessoas vão-se abrir para estas possibilidades. Basta lembrar que os países que há mais anos praticam a cremação têm de facto outras formas de lidar com os restos mortais, que passam por os manter em casa dentro de uma urna ou os levar consigo para os despejar numa cerimónia emocional num outro local. Tornando o acto algo muito íntimo e significativo. E é isso, exatamente isto, a que me refiro!! É esta emotividade, estes últimos respeitos prestados à vida e memória da pessoa, que penso poderem estar ausentes no dia do funeral, naquele pequeno rectângulo relvado e sobrepovoado de almas.
,Cendrário na Figueira da Foz (Imagem retirada da net)
Não devia ser só sobre "tu" e o que é que "tu" na qualidade de pessoa que tem de decidir que destino dar aos restos, sente que é mais prático fazer para si mesmo. Essa parte é importante, não renego. As despesas aumentam ou diminuem conforme se opta por um enterro ou uma cremação. Mas no caso do destino das cinzas, o potencial comercial ainda nem começou a ser explorado. Por isso não acresce nem mais um centavo de custo, decidir dar outro destino às cinzas ou as deixar logo ali no cemitério. Afinal de contas, a opção não foi não colocar o corpo no cemitério?


Notas:
*1 - Pelos vistos ainda é proibido lançar cinzas ao mar. Para o tentar fazer, é preciso pedir à Marinha. O caso será estudado. 
*2 - A Igreja Católica apela à dignidade dada aos restos mortais. (o que excluí algumas alternativas, mas não deixa de ser a palavra certa).
*3 -  A urna orgânica é uma alternativa que dignifica o ciclo da vida, mas para ser aceite pelas convenções e a Igreja Católica, só poderia ser considerada se plantada em solo sagrado, como o de um cemitério. (Ao invés de campas, árvores). Tenho cá para mim que, se fosse possível por lei, passaria a ter a predilecção dos que têm ideia de ter as suas cinzas lançadas ao mar por influência do que viram em filmes.