quinta-feira, 3 de março de 2016

Não foi uma torneira, foi um conta-gotas

Não resisti: procurei, encontrei e vi o filme "Sufragistas".

Ao contrário dos últimos que visionei, o final é a parte mais forte. Nesses créditos surgem as datas em que o direito das mulheres ao voto é finalmente obtido na Inglaterra. Logo de seguida passa uma lista de muitos outros locais no mundo onde o direito ao voto no feminino é permitido, e respectivas datas. Infelizmente não aparece Portugal. 

A Nova Zelândia detém um título de causar orgulho: foi o primeiro país a conceder às mulheres o direito de sufrágio. Mais de 30 anos antes do Reino Unido. O último a fazê-lo foi a Arábia Saudita, em Dezembro do ano passado. Acho que é um momento digno de livro! Se fosse uma mulher saudita, faria por escrever um livro detalhando os acontecimentos e até já tenho título*: Dedo Púrpura.

mulher muçulmana a mostrar o dedo de voto
Mas então e Portugal? Fui verificar. Já tinha lido sobre a primeira mulher a votar em Portugal- Carolina Beatriz Ângelo, médica cirurgiã, viúva e com filhos. Aproveitou uma lacuna na lei e em 1911 votou! E ainda bem que o fez, faleceu pouco tempo depois, coitada!! Trataram logo de mudar a lei, não fossem aparecer outras mulheres com as mesmas pretensões. 

à direita: Carolina no dia em que votou (28 de Maio de 1911)
à esquerda: Ana de Castro Osório, escritora e presidente da liga de sufragistas portuguesas
A segunda mulher a votar em Portugal só o pode fazer 15 anos depois de Carolina, em 1926. Mais uma vez, o acto de cidadania só era autorizado às mulheres com curso superior ou ensino secundário completo, que fossem maiores de idade e chefes de família. Em 1931 estendeu-se um pouco mais as condições, que ainda assim permaneceram restritivas. Em 1933 novas mudanças... as solteiras de boa índole poderiam votar... para as juntas de freguesia, somente. A total igualdade constitucional só surgiu de verdade depois do 25 de Abril de 1974... Mais precisamente na constituição portuguesa de 1976!

Foi só aí que as mulheres adquiriram um estatuto de igualdade. Passaram a ser cidadãs de primeira classe, não de segunda. Acabaram-se os mitos de que não tinha capacidade intelectual para votar, que tinha de ficar em casa a cuidar dos filhos, não podiam estudar porque o seu cérebro era menor do que o do homem e por isso não ia aguentar tanta informação... Acabou-se! 

Repararam que o direito ao voto conquistado pelas mulheres foi tudo menos uma torneira que se abriu? Não foi uma coisa que estava vedada e subitamente um decreto fez com que passasse a existir. Como toda a ideia legítima, encontrou sempre uma tremenda resistência, da parte da lei, do governo e dos Homens. E quando finalmente esta atrocidade foi eliminada, não foi como abrir uma cancela e deixar passar as mulheres até às urnas. Esta dívida da lei e do governo foi «paga» a conta-gotas. 

Primeiro autorizaram só as ricas e instruídas, depois só as casadas, depois as solteiras de boa índole mas só para um tipo de voto...  Ou seja: tanto aqui em Portugal, como em qualquer parte do mundo, esta igualdade não foi uma torneira que se abriu e pronto: está feito. Nada disso! Foi a conta-gotas que chegou. Terrível, não? Só de pensar que no que verdadeiramente importa foram precisas décadas para atingir um tratamento não diferencial e igualitário...

Que por vezes, até nos dias de hoje, nas sociedades mais desenvolvidas, falha:


«Mulher no Brasil impedida de votar (2014)»

Emocionam-me estes factos e fico com enorme curiosidade por descobrir mais, ao mesmo tempo que percebo o quanto desconheço tanto. Hoje apetece-me conhecer mais sobre estas mulheres - que não estão tão distantes assim. É uma geração de lutadoras que ainda respira e vive. Devia-se explorar este tema quase até à exaustão. Como povo, se não nos conhecermos e à nossa história, perdemos um pouco a nossa identidade. 

Espreitem aqui este sintético excerto em vídeo dessas histórias de lutadoras portuguesas - infelizmente hoje praticamente desconhecidas.

Ainda vos deixo com este vídeo dos óscares 2015... Além de admirar esta atriz que sempre intuí como uma pessoa muito humana, simples e despretensiosa, além de verdadeira artista, ela chegou ao palco e disse! Em Hollywood fala-se muito de «respeito à diversidade» mas tal como em qualquer parte do mundo - inclusive aqui - o que se diz e o que se faz, muitas vezes são coisas diferentes. Todo o seu discurso abrange o que precisava e vai mais além, é ao mesmo tempo de agradecimento mas também de activismo, simples e inteligente. Afinal, este é o momento em que «o mundo» está de olhos postos naquele evento. Muitos dos agraciados pretendem cunhar com cidadania um momento destes. E ela o faz dentro do limite de tempo, sem excluir nada, de forma brilhante. A reação na plateia também foi clara. Convosco, Patrícia Arquette.


*Primeiro faria a pesquisa para saber se as votações na arábia saudita foram de dedo pintado - pois não me parece terem sido, ainda assim, o livro podia falar não apenas deste país, mas do direito das mulheres muçulmanas ao voto por toda a parte. Iam ler este tipo de livro?

3 comentários:

  1. Eu ia. Ando sempre pesquisando o papel da mulher na luta pela igualdade de direitos.
    Um abraço

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  2. Para recordar sempre.
    Especialmente nestas datas festivas - Dia Internacional da Mulher.
    Boa semana

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