segunda-feira, 14 de março de 2016

A morte de Nico


Eu nunca o conheci, pelo que me referia a ele como Nicolau Breyner. Mas os amigos, conhecidos e colegas, tratavam-no por Nico. 

Duas gerações de atores - do jovem ao experiente
(bastidores do filme Virados do Avesso)

E foi assim que vi e ouvi um rol de figuras de peso, do universo artístico e político, desfilar pelos canais de televisão para falar do falecimento do seu amigo.

Todos com vozes embargadas, escutei o final do depoimento de José Pedro Vasconcelos na Sic Notícias, realizador com quem o ator fez, entre outros, o filme "Os Gatos não têm vertigens". Neste, a sua personagem morre subitamente, de ataque cardíaco. E depois vira um «fantasma», na mente da sua viúva. 

E existe «melhor» forma de falecer do que subitamente?


E como foi assim que Deus quis, apanhou muitos de surpresa. Virgílio Castelo na RTP3 fez questão de mudar o registo de tristeza e optou por partilhar histórias divertidas de Nico. O próprio Nicolau quando cumpria as homenagens fúnebres, achava uma maneira de aligeirar o ambiente - revela Virgílio. E depois de contar umas histórias envolvendo uma carroça de alfaces e explicar que Nico chegava ao refeitório, não fazia um prato de comida mas tirava-a do prato dos outros, acaba por sintetizar que ele era especial por saber desconstruir a tristeza. 

No mesmo canal e no mesmo cenário, Pedro Lima recorda como este lhe serviu de mestre - embora nunca tenha sido seu mestre. 

Nicolau no 5 para a meia-noite, com Jeremy Irons
humilde, franco, cúmplice e divertido

De volta à Sic Notícias, Pinto Balsemão fala que Nicolau foi uma das primeiras figuras a apoiar o projeto de uma televisão independente, decorria o ano de 1986. Já Júlio Isidro, revela na RTP3 que se arrepende de ter adiado o convite para Nico participar no seu programa na RTP Memória. E Rita Blanco, entrevistada ao telefone na Sic Notícias, diz que o ator não era de dar lições a ninguém e que essa era uma das suas melhores características. Rita quer falar da pessoa Nicolau, mas a pivot insiste em fazer perguntas sobre como uma atriz avalia um ator. Como se não soubesse que a sua entrevistada é conhecida pela sua frontalidade e se aborrece com questões menos relevantes, a pivot dispara mais uma pergunta em contra-mão, o que leva Rita, com voz embargada e já a chorar, a ser sincera: O que eu quero agora é desligar para poder chorar.

Na Tvi24 Sílvia Riso, outra que acabou de receber a notícia, procura terminar rapidamente o seu depoimento recolhido no set de uma novela, pois está em esforço para segurar as lágrimas. Tozé Martinho refere que Nicolau teve formação em ópera, em Itália, isto porque a Tvi24 foi buscar imagens de arquivo da RTP memória e mostrou o ator como cantor, no festival da Canção de 1968. 


Na RTP3 Maria do Céu Guerra conta que estava a viver na casa dele por esta ficar mais perto da maternidade onde foi ter a filha, tendo sido ele a primeira pessoa a ver a bebé. Diz que Nicolau era «a alegria e a bondade - quase santidade». Refere o que mais se tem ouvido sobre as qualidades de Nicolau: o ator passava alegria aos outros e encarava os males da vida fazendo-se de desentendido para as dores e infelicidades. «Passava por cima e continuava sempre a sorrir. Super culto e inteligente, sempre a fingir que não» - conta ao telefone. «Era absolutamente contra o snobismo e o elitismo», diz. «Não acredito ainda que ele tenha morrido!» - diz ainda mais emocionada, ao mesmo tempo que revela que ela e Nico tinham dois projetos em andamento. 

O Presidente da República também se pronuncia sobre este falecimento. Aproximadamente uma hora depois, também o primeiro-ministro.

«Não levava nada a sério. Nem a si próprio» - revela José Pedro Vasconcelos, agora em pessoa na RTP3. 

E penso que isto resume tudo. 

Em todos estes depoimentos que fiz questão de ir apanhando em zapping, fui também tentando perceber como é que as estações faziam a gestão deste acontecimento. Todos vamos falecer - é uma certeza. Mas quando se é figura pública, o mais certo é que os meios de comunicação Social, já a contar com isso, tenham preparado algures umas imagens, uns textos, just in case... 

Não parece ter sido o caso para Nicolau. 

Num despreparo maior, a Sic usou repetidamente imagens de noticiários aquando Nicolau, o político e Nicolau, nos globos de Ouro. Já a RTP3 raramente mostrou imagens recentes, foi buscar as mais antigas do seu acervo - a maioria a preto e branco. Mais tarde já recorreram a algumas imagens de filmes. A Tvi24 foi «mais longe», mas também usou e abusou de imagens do ator nas suas novelas. Em suma, ninguém estava preparado. Mas foram rápidos a recolher depoimentos - aí tiro-lhes o chapéu. 

Apesar do despreparo, aposto que, nos próximos dias, as estações vão mostrar e falar muito de Nicolau Breyner.

Não deixo aqui um RIP porque acho que ele conduziu a sua existência na paz... e a carregou consigo. A sua presença parece ter sido tão marcante que permanece forte nos que o conheceram, mesmo tendo partido. Não está lá, ainda está cá, mas não está... E como, segundo os testemunhos, era uma pessoa tão esclarecida, acho que ia querer aligeirar a situação e não a levar tanto a sério.... :)

5 comentários:

  1. É sempre um choque uma morte repentina, para a família e amigos. Neste caso também para os seus admiradores, entre os quais me incluo.
    Quando ao sair de uma aula recebo uma chamada do filho para me dar a notícia, nem queria acreditar. Porém ao chegar a casa, e ligar o pc, foi a primeira notícia que me apareceu.
    Um abraço

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  2. O Sr. Contente partiu.
    Fica a memória, os muitos personagens que interpretou, os muitos bonecos que criou.

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  3. Gostei do que li. Sabes, quem me dera conseguir fazer sínteses assim tão boas como tu fazes. :)

    Quanto ao Nicolau, que descanse em paz. Afinal de contas, para morrer só é preciso estar vivo. E depois de morrer, a vida continua, quanto mais não seja sob a forma de memórias, da saudade, das obras...

    Beijinhos.

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  4. O Nico era um homem bom e um excelente profissional.
    Ser-me-á permitido sobressair o que disse Glória de Matos.

    Fiquemos com Nico na memória e eevisitemo-lo sempre que pudermos. A sua obra é eterna.

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