quinta-feira, 1 de junho de 2023

A idade tem cheiro

 

Já me sinto a envelhecer de uma forma com a qual não me identifico. Nunca pensei que envelhecer ia perturbar-me, porque presumi que se vivia cada momento da vida em pleno. Só que não aconteceu assim. Agora a idade "apanha-me" algo desprevenida. 

O que descobri é que não gosto do meu cheiro. O cheiro da minha pele é uma das últimas constatações sobre mudanças em mim que a idade me traz. Não é falta de higiene - nunca tive mais do que agora. É alteração biológica.  Estranho isto, não é? Não me identificar com o meu próprio odor corporal! 

Não tresando - sosseguem. Mas tenho um suave trave a algo que estranho, me desagrada e não me é familiar. Tomo banho e visto roupas perfumadas, acabadas de lavar na máquina, deito-me em lençóis lavadinhos. 

Será que é das máquinas de lavar? Todos sabemos mas escolhemos ignorar, que são reservatórios imundos por dentro cheias de bactérias e contaminantes. Experimentem lavar as roupas sem recorrerem a amaciadores perfumados e vão sentir um odor desagradável, que detergente e água não elimina. 

Com tudo lavado e fresco, sinto-me bem. Mas isso pode durar apenas umas horas. Em menos de um dia, já não sinto as roupas agradavelmente aromáticas e o odor das mesmas mistura-se com um outro que não me agrada. Busco perceber de onde vem. Quero eliminá-lo. Lavo tudo: lençóis de cama, toda a roupa, colchão, passo detergente aguado na carpete e salpico os cortinados com aroma de lavanda. OK. Agora sim! Vou viver num espaço permanentemente agradavelmente perfumado - penso. Passadas umas horas, depois de estar deitada na cama com lençois lavados, vestindo roupa lavada e fresca, principalmente se adormecer, ao despertar já sinto um suave "trago" a cheiro corporal que me desagrada. Só pode emanar de mim, mas não o reconheço.

Será isto a que chamam "cheiro de velho" ?


Pensava que "cheiro de velho*" era apenas uma expressão para a falta de higiene mais regular que a terceira idade exige, em particular em casos de incontinência. Uma vez que a pessoa está mais cansada e debilitada, é completamente compreensível que deixe de conseguir manter essas rotinas tão amiúde. Agora já não sei se assim é.  Se calhar, não é bem uma escolha, assim como o próprio envelhecimento. "Cheiro a velho" é, na realidade, cheiro a decadência. A podridão. Não me levem a mal, refiro-me ao ciclo da vida.  Somos como uma flor: nasce botão, floresce perfumada e apodrece. 

Subitamente me lembrei de um outro cheiro que quase todos adoram - inclusive eu: "Cheiro a bebé". Nossa! Como o cheiro a recém-nascido é uma coisa maravilhosa. Gostosa. Costumava ser um odor desse género a emanar da minha pele por muitos anos, até quase aos 30, fresquinho, sempre presente, mesmo quando ficava uns dias sem tomar banho e os hábitos de higiene não seguiam as normas da altura. Cheirava sempre bem, adorava "snifar" meu próprio odor. Dava-me prazer. Outros me diziam que cheirava bem e queriam saber que perfume usava. Lembro-me de responder que não usava nenhum e também não usava cremes para o rosto ou produtos para o cabelo sem ser champôo normal - o que os surpreendia.  E não, não eram perguntas irónicas. Eram sinceras. 


Santa ignorância! Porque desaprendemos a nos familiarizar com o ciclo da vida? Lições que pais passavam aos filhos por gerações - desapareceram ou estão a desaparecer. Estes dizeres nos tornava  conscientes, conhecedores, simpatéticos, caridosos. Foi tudo substituído pela falsa sensação de que se pode manter a juventude a todo o custo, se se comprar bons cremes, se submeter a procedimentos cirúrgicos, etc. Como se "ser velho" fosse indesejável e para evitar, quando, na realidade, é inevitável - para todos os que vivem. 

Encontrei uma fotografia onde estou debruçada sobre um bolo com velas acesas e um gigante número indicando: "35". 

O que me lembrei ao ver aquela fotografia, foi que já me sentia no final da vida, sem muita esperança. Uma autêntica parvoíce! Mas também recordei-me das razões que me levavam a sentir assim: Naquele instante de celebração que devia ser feliz, todos na família me disseram que estava velha. Lembro-me em particular de uma frase habitual, sempre dita pela minha irmã com um tom de prazer na voz: "Estás a ficar velha, vais ficar para tia". e que os outros repetiam. Neste instante desta foto em particular, lembro-me que reforçaram a dose e me disseram isto, que instantaneamente senti como uma ferroada em mim: "Tu nunca vais ter filhos!



Porquê deixei? Porquê me abandonei? Porquê não combati eu esta opressão? Porque não me rebeliei - que é o que a juventude DEVE fazer? 

O tempo passou e eu fui deixando que passasse. Agora estou desfasada do mesmo e o que ele me traz é justíssimo - só não foi justo não ter vivido com o tempo.

Podem até me ter dado vinte e poucos anos recentemente. Podem achar que estou ainda na casa dos trinta. Podem dizer-me que pareço mais nova. (será que pareço? Não acho mais!). Mas é o meu corpo que escuto, que vive comigo e que me mostra, por vezes de forma cruel, que o que as pessoas dizem não corresponde à realidade. 

Um destes dias o corpo colapsa de vez, tudo fica flácido, mostrando todo o seu horror e desmistificando de uma vez só o real tempo que estou sobre esta terra.


https://www.campograndenews.com.br/colunistas/em-pauta/-cheirando-a-velho-o-odor-corporal-que-comeca-aos-30

https://www.uol.com.br/tilt/ultimas-noticias/redacao/2016/08/16/clique-ciencia-o-que-causa-e-por-que-os-idosos-tem-um-cheiro-diferente.htm


9 comentários:

  1. Talvez seja temporário e depois volte o cheiro bom, espero que sim e daqui a alguns anos poderás estar a olhar para este dia e a pensar que eras jovem nesta altura - e talvez com um pouco de sorte também possas pensar em tudo de bom que se passou desde então, se calhar até flhos e tudo. um beijinho e uma boa noite

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    1. Tenho quase a certeza que daqui a uma década ou mais, vou lembrar deste post e dizer: "Quem me dera ter o cheiro daquele tempo!" Ahah. A coisa só pode piorar. CURIOSIDADE: Será que é por isso que só agora acho piada a perfumes quando antes podiam me oferecer os melhores do mundo que aquilo não me dizia nada?
      (o meu cheiro era o melhor ahaha).
      Obrigada pelas tuas palavras. Tudo de bom.

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  2. Vou fazer 59 daqui a dias.
    E nem penso nisso.
    Bfds

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    1. Parece-me a mim Pedro, assim pela superficialidade com que se conhecem as pessoas no ciberespaço, que o Pedro viveu a vida em pleno. Sendo feliz em praticamente cada etapa. Assim sendo, porquê haveria a idade de lhe pesar nos ombros? Continue leve! BFDS

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  3. O seu post é muito cruel consigo mesma. Não se considere velha, porque não o é ainda, na realidade está a passar uma fase de transição, uma fase pessimista.
    Aproveite, faça o que gosta. Não casar, não ter filhos não é uma fatalidade, pode se viver feliz na mesma. Tantas coisas que pode fazer...
    Felicidades. Um beijinho de ânimo. Maria

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    1. Por vezes escrevo em momentos reflexivos com uma profundidade mais pessimista, Maria. Acho que faz parte do ser humano. Uns dias vemos o céu azul e brilhante, outros só o cinzento e tristonho. Faz parte. Ao olhar para trás, a tristeza do que "não foi" e com tanto potencial para ser. Olhar para a frente, descobri que não me seduz e não é para ser. Deve-se viver sim, é no PRESENTE. Porque quem vive no presente, vive intensamente.
      Fui criada para adiar tudo e aguardar até "um dia". Não tive hipóteses, foi uma imposição. Tudo o que desejei ou senti vontade de fazer era "para outra altura". Isso mata algo dentro de nós. Por vezes essa consciência vem à superfície e fica claro o desperdício. Mas como disse, é o presente que importa. Porque o passado já foi presente e também o desperdicei a reflectir no desperdício do passado :)
      obrigada pelas suas palavras.

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  4. Bom dia
    Confesso que nunca tive essa sensação e estou a chegar aos 66.

    JR

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  5. Olá Portuguesinha!
    Acho que entendo o que queres dizer.
    Não se trata só do odor corporal mas também do apercebermo-nos que já não vamos para novas. Eu confesso que aos 28, quando vi o meu primeiro cabelo branco, fiquei triste. Para mim era associado à velhice e subitamente achei que era velha. Agora tenho mais alguns mas nada de alarmante.
    Já noto que a minha pele nao é tão firme como dantes e se franzir a testa, vejo as rugas que antigamente nao via.
    Mas fazer o quê quando não temos aquele dinheiro que as celebridades têm e por isso parecem muito mais novas do que realmente são? (isso e uma boa maquilhagem, claro).
    Quanto ao facto de nunca ter filhos, não é coisa que me preocupe. Sinceramente até é um alivio.
    Por isso, não te preocupes! haja saude e muitos anos de vida para podermos apreciar as marcas que o tempo vai deixando.
    Kiss kiss

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    1. Ana, se morrer saudável, capaz de correr a maratona e fazer o pino, então valeu a pena! Aahah.
      A SAÚDE é a nossa maior riqueza.
      Não é cliché é a verdade.

      Sim, abordei este assunto porque sinto que entra na categoria de temas-tabu. Ninguém quer falar dele. Mas não vejo problema em falar disto. A ciência já comprovou que esta alteração de cheiro existe. Ora, se ao nascer cheiramos tão bem e com o tempo perdemos esse cheiro, com mais tempo ainda ficamos mais para "flor murcha" do que "flor a florir". Ahah.

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