sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Cápsulas do Tempo

"O que encontraram lá dentro irá surpreendê-lo"» - diz a habitual frase cliché que serve para os cibernautas carregarem no link de modo a serem conduzidas para uma página que se quer dar a conhecer. Normalmente passo ao lado mas esta notícia pareceu legítima e quis espreitar. 

"Arte de valor inestimável encontrada em apartamento Parisiano abandonado desde 1939" 


Gosto de tudo o que esteja relacionado com épocas passadas, mais ainda se for a descoberta de tesouros esquecidos. Mas nos dias que correm é impressionante que um apartamento de uma capital europeia de renome só tenha sido aberto em 2010, ano em que faleceu a sua proprietária, que supostamente o abandonou em 1939, com receio de que a Alemanhã-Nazi invadisse Paris.

Durante toda a sua vida de 91 anos ela continuou a pagar a renda do seu apartamento parisiense. Os Alemães invadiram o norte de França, invadiram Paris, a guerra decorreu por praticamente 6 anos. Depois cessou e vieram outras mudanças. Os coches desapareceram de vez das ruas para dar lugar aos veículos motorizados. O homem foi à Lua em 1969, um aparelho chamado televisão pode mostrar aos mais afortunados esse momento. 

Tanto aconteceu, o indubitável passar do tempo e questiono-me como é possível um cómodo ficar 70 anos sem ser necessário ser aberto. O edifício não precisou de obras de manutenção? Instalação de cabos ou tubagens modernas? Não existiu, nunca, um problema de infestação? São perguntas cujas respostas ainda estão por ser atendidas. No apartamento encontrou-se tudo como se uma jovem de 23 anos o tivesse abandonado "ontem". Frascos de aromas e perfumes ainda repousam na mesinha de toilette, assim como pentes e escovas. Um boneco mickey Mouse e um Porky Pig originais encontravam-se lá. Nem tinha lembrança que eram assim tão idosos estes desenhos da Walt Disney. E entre os quadros, o retrato de uma mulher de ombros à mostra que provocantemente abria o decote do vestido. Era a bisavó de idosa proprietária: Marthe de Florian, actriz e amante de homens influentes, entre os quais o pintor italiano do quadro: Giovanni Boldini. E assim criou-se uma cápsula do tempo.

Embora nada indique que estes "tesouros" foram assim deixados propositadamente, o mesmo não se pode dizer dos encontrados nesta mansão Francesa em Mullins. Propriedade de um senhor de nome Louis Mantin, herdeiro por sucessão familiar(?) e homem de posses devido a cargos de relevo na política. 

Mantin faleceu em 1905, não casou e não teve filhos. No seu testamento deixa a sua mansão à cidade de Mullins, na condição de que esta e seus pertences permaneçam intocados e fechados por um século. Ao fim desse tempo, a mansão seria aberta ao público, para funcionar como museu. A intenção de Mantin foi explicada por escrito no testamento: «mostrar ao mundo a vida de um burguês no final do século XIX". 
A tranca na porta - um cadeado centenário
Mantin não foi um burguês comum para a época. Alegadamente, sentia-se fascinado pela modernidade, que teve o seu boom naquela virada de século. A sua mansão foi a primeira casa privada da região a ter água canalizada e eletricidade

  

Imagino este homem solitário rodeado daquilo que mais lhe deu felicidade em vida: as suas colecções, os seus pertences. Ninguém ia recordar-se dele pelo trabalho nos tantos cargos políticos que ocupou. E triste por não ter deixado descendência, pensou na tristeza que é partir do mundo sem deixar continuidade. 

Os filhos são o maior tesouro que damos ao mundo... Digo eu. E sem esse tesouro, restou a este homem rico as suas riquezas. Que sabia não serem de qualquer importância na história do mundo se não fizesse alguma coisa. Encontrou então esta maneira única de as preservar e de lhes associar o seu nome, tornando-se assim uma pessoa que passou por esta terra e morreu sem filhos, porém, não será esquecido. 

A sua "imortalidade" foi assim conquistada. Se tivesse sido pobre e acalentasse o mesmo sonho, sem descendência, restaria-lhe virar um assassino em série ou um criminoso cruel para ver o seu nome perpetuado... Será que é por isso que alguns praticam actos tão vis? Seja como for, não foi o caso deste homem rico, de origem desconhecida e sem parentes reconhecidos. Graças à sua ideia, hoje a cidade de Mullins atrai a curiosidade alheia por causa da misteriosa Mansão Mantin e seus "tesouros" por um século aprisionados. Outra cápsula no tempo.



3 comentários:

  1. Interessantes estas buscas pelo passado e pela história das pessoas.
    Tenho um irmão que tinha o sonho de deixar alguma coisa que perpetuasse não o nome dele, mas o dos pais. Gastou tudo o que tinha, mas chegou a um ponto que precisava ajuda. E como o que ele estava construindo era para serviço da comunidade, ele tentou ajuda com a câmara mas não conseguiu, o que levou a que abandonasse o projecto. E tinha torrado todas as suas economias.
    Um abraço e bom fim de semana

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    1. Fiquei com curiosidade Elvira. Sabe que IPSS e até museus é das coisas mais difíceis de conseguir criar e manter. Nos casos que tenho mencionado existiram fortunas massivas por detrás das iniciativas. A própria fortuna financiava se calhar mesmo 100 anos depois, todos os milhões para restaurar os danos entretanto causados pelo tempo. Mas quando se tem de recorrer a cameras ou seja o que for, é para esquecer.

      Pessoas de pouco recursos com um ideal parecido - seja em seu nome ou no de outrem - fica muito difícil. Lamento que não tenha conseguido.

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