terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

AINDA... Charlie Ebdo


O título diz "ainda" porque, tirando este desabafo que deixei no blogue do Observador, a verdade é que ainda não me pronunciei a respeito deste assunto.

Qual assunto? A ilustração feita por aquele Jornal satírico Francês que se tornou mundialmente conhecido em Janeiro do ano passado por ter sido alvo de um atentado do Daesh - o Charlie Ebdo. Aqui fica ela:

Este foi o PRIMEIRO contacto que tive com a notícia. Assim, em forma de pequeno destaque online no site da RTP notícias. Onde, MAIS UMA VEZ, não se privaram de usar a imagem real e por esta altura icónica de uma criança afogada para fazer referência ao "novo uso" que lhe deu aquele jornal satírico.

polémica é que o referido jornal, além de TAMBÉM usar a imagem do menino afogado (à semelhança de tanta imprensa), ainda que apenas em contorno e num desenho inteligentemente SEM COR, fez particular REFERÊNCIA ao menino falecido com uma questão situada debaixo do TÍTULO que anunciava o tema "Migrantes": "O que faria o pequeno Aylan se tivesse crescido?" E depois faculta a resposta: "Perseguia nádegas na Alemanha".


Ora, isto pode parecer chocante. E foi, ao primeiro contacto. Mas depressa recuperei do choque e reflecti no que estava a ser mostrado. Até porque o maior choque, o que me chamou a atenção para aquele pequeno quadrado de imagem pouco perceptível, foram as palavras do título do artigo, também ele uma INTERROGAÇÃO, que surge a azul e pergunta: "Quando o Charlie Hebdo estica a corda ainda "somos todos Charlie"?

"Ainda somos todos Charlie"? a meu ver, é uma pergunta ridícula. Revela ignorância. E eu, particularmente, não gosto quando a imprensa é ignorante. Não gosto porque ela tem o dever de informar, não de desinformar. E muito menos gosto que, desempenhando um papel tão fundamental na formação das mentalidades, esta siga o caminho simplista e põe todos a raciocinar de forma equivocada. 

Traduzido para português claro, a pergunta realmente colocada aos portugueses pelo artigo da RTP é esta: "Ainda somos todos a favor da liberdade de expressão"?

Claro que somos! Mas que estupidez ponderar sequer o contrário. Há algo neste título especialmente chamativo que é perigosamente enganador e subvertido. 

O conteúdo também não traz nada de esclarecedor. Pareceu-me, inclusive, tratar-se apenas da necessidade de falar da «mais recente polémica» sem nada de mais acrescentar. E adoptou um estilo noticioso um tanto tendencioso, já que dá a resposta à própria pergunta. 

Penso ser difícil encontrar em mim um traço de xenofobia ou racismo. E penso que as pessoas por detrás destas ilustrações satíricas provavelmente também fazem esse género. É difícil, de início, olhar para aquela imagem bem pequena da ilustração e ler aquelas palavras. Bem sei. Mas contextualizando-as, são brilhantes. 

Sou a favor da ajuda aos refugiados, sinto o terror que está a ser esta "invasão" de milhares que chegam por uma Europa a dentro e que, em grande número, olham para o que aqui existe com desconfiança e censura - de tão terrivelmente pecaminoso que lhes parece aos seus olhos. As europeias não cobrem os cabelos com lenços e têm tantas atitudes que condenariam à morte tantas destas mulheres refugiadas! Percebo os receios dos que cá estão. O medo do terrorismo. Entendo que não vai dar, que a Europa não tem como acolher a população inteira de outros continentes em guerra e que muitos voluntários e políticos, por muito que se esforcem, não vão conseguir encontrar uma solução que não estoure com o actual padrão social dos países de acolhimento. Contudo, jamais defenderia a criação de milícias ou ia aderir a grupos mascarados que desatam a dar pancada a pessoas de aparência não-ariana, como aconteceu recentemente em Estocolmo, na Suécia.  

Não creio que a sátira deste cartoon do Charlie Ebdo esteja a um nível superior de inteligência como me fez questionar este artigo da revista Obvious(br) que vale mesmo a pena ler, mais que não seja pelo fantástico título que faz juz às considerações no conteúdo. É somente um nível de registo no qual não estamos acostumados a raciocinar nem a ele somos ensinados. Mas tal como um dia já existiu uma sociedade inteira, inclusive mulheres, ensinadas a pensar de forma limitada por acreditarem serem incapazes de  exercer o voto político ou terem direito a herdar bens, também chegará o tempo, daqui a 15, 20 anos, em que a maioria será capaz de racionalizar um pouco "fora" das convenções. E aí todos terão chegado onde eu penso que alguns já conseguem chegar: na «futura» norma.  :P

E agora, para reforçar a ideia do que disse, mostro-vos isto:

Há necessidade? A mensagem é qual, mesmo?
Ao menos o jornal tinha umas!

Onde fica a revolta?
Por ser «arte», já tem mais aceitação. Por não usarem um manequim de uma criança, mas um homem adulto, não choca. Pode ser uma "afirmação pessoal" e artística... tudo bem, entendo. Entendo mas questiono. Não a vontade, mas a intenção. O artista podia dizer que estava a recriar qualquer vítima de afogamento. Qualquer uma. Mas anexar o nome da criança traz projecção internacional...

A meu ver, este aproveitamento até pode ser um insulto a toda e qualquer vítima de afogamento. Que fiquem a relembrar e a chorar as mágoas e as dores todos aqueles que já perderam entes queridos para as águas do mar. Pelos vistos, presentemente, todos os afogamentos vão-se espelhar, na arte, na crítica, em tudo, no daquela criança Síria. 

6 comentários:

  1. Liberdade de expressão, sim, sempre.
    Abusos, não obrigado.
    Mas isso é matéria que cabe a cada um julgar.

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    1. Claro Pedro. Cada qual tem a sua opinião. E estou bem ciente de que a minha não é sonante com a maioria. Mas então diga-me... quando é que o Charlie Ebdo nunca "abusou" nas suas sátiras? Porque foi um suposto abuso que conduziu os Daesh ao massacre. Nessa ocasião ficou claro que os jornalistas tinham direito a se expressar. "Je suis Charlie" apareceu por toda a parte em defesa dessa liberdade. Ainda que eles tenham "profanado" o profeta. Para os muçulmanos, aquilo foi um abuso e o justo castigo só podia ser a morte e destruição. Hoje eles abusam novamente mas é porque continuam a praticar o seu direito de liberdade de expressão. Se era válido há um ano, porque deixou de ser?
      Concordar com o método e com o que dizem, já é outra coisa. Mas o "Je suis Charlie" nunca foi sobre aprovar o conteúdo ou desaprovar o massacre. Para mim sempre foi estar do lado da liberdade de expressão. Todos têm direito a ela, mesmo os que andam por aí a proclamar palavras de ódio e terrorismo.

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  2. Humm... engraçado! Eu sempre pensei que o "je suis charlie" tinha mais a ver com o apoio aos jornalistas mortos do que propriamente à liberdade de expressão.
    O problema é que o humor é muitas vezes usado como forma de ofender e nesse caso je ne suis pas charlie mesmo! Não concordo com o uso e abuso dessa mesma liberdade por parte de algumas pessoas, para dizerem o que bem entendem. É que se alguns levam o humor na boa, outros ficam extremamente ofendidos e depois acontece o que se viu...
    Com isto, não quero defender de forma alguma os terroristas mas quando se brinca é preciso saber se o outro lado está disposto a aceitar brincar.
    Na altura em que o papa João Paulo II foi ridicularizado num jornal onde fizeram uma caricatura e colocaram um preservativo no nariz dele, muitos católicos ficaram revoltados mas não passou disso mesmo. Agora, mexer com grupos extremistas que não têm a menor dificuldade em matar, é brincar com o fogo.

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    1. Pois é Ana. Acho que o problema está mesmo na interpretação do que levou as pessoas a dizer "Je suis Charlie". Moi, p. ex. quando vi as fotos das redações de jornalistas pelo mundo a tirarem um retrato segurando um papel Je suis Charlie - entendi isso. E pela primeira vez na vida, aderi a um destes «movimentos». E por isso sei que serei Je suis Charlie para o resto da minha vida e para sempre defenderei esse direito, essa liberdade. Que deve sim, ser igual para todos, independentemente de como a usam.

      O cartoon de Janeiro contudo, assim como o de João Paulo, é uma crítica social. Se clicar no artigo que refiro valer a pena ler, vai descobrir que o jornalista entendeu que o que o Charlie Ebdo fez foi dar uma imagem aos receios que as pessoas estavam a expressar na net, etc. MEDO devido às alegadas violações na passagem de ano. Todos com MEDO de os migrantes serem o que foi desenhado. O chocante foi usar como símbolo um símbolo já muito usado - mas um símbolo que é quase sagrado: o de uma criança, ainda mais, falecida. Digo quase, porque lá nas mentalidades terroristas, matar crianças e com requintes de tortura não lhes causa nenhum problema de consciência. E acho que, também por isso, o cartoon é brilhante. Por nos fazer lembrar, em tantos sentidos, tantas realidades que vivemos.

      Desconfio que muitos dos que se escandalizaram têm aquele receio ou acreditam que os refugiados vem para a europa para exercer o crime.

      Sim, ter a integridade de dizer o que se pensa, e dizê-lo, inclusive ao "lado de lá", É chegar perto do fogo. E por isso foram queimados. Mas é admirável que não recuem. Admirável. Têm princípios e seguem em frente. Arriscando não só as próprias vidas, mas as dos familiares - que é o maior receio de quem tem como inimigo um quartel, um poderoso criminoso.

      Enfim, muitas considerações podiamos tirar daqui. Só sei que o Daesh quer o MUNDO. Sem restrições. Eles querem-no todo. Começaram a sul do Hemisfério, começaram a minar o centro, atraem jovens mulheres europeias para lá para gerarem filhos que depois podem recaminhar devidamente "armadilhados" na cabeça nas intenções.. Enfim. De anjos não têm nada e infelizmente, alguém terá de os parar. Uma terceira guerra mundial??

      Enfim, considerações. Obrigada por deixar o seu ponto de vista, sei que é um tema sensível. Boa semana!

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  3. Charlie Hebdo abusa da liberdade de expressão. Mais, interfere com a liberdade de terceiros.
    Nunca fui, não sou nem serei Charlie, apesar de ser a favor da verdadeira liberdade de expressão.

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    1. Quem decide a "verdadeira" liberdade? Espero que não sejam os terroristas!!
      Acho um pouco perigoso condicionar a liberdade de imprensa. O jornal assume-se na capa como "irresponsavel" ele tem uma linha editorial satírica que não se restringe. Nesse sentido acho bem - a sátira se for restringida, o que perde é exatamente a sua liberdade.
      Já nos chega a "liberdade" que temos por cá nos nossos órgãos de comunicação social. Poucos ousam... poucos arriscam. Muitos já estão comprometidos e se calhar, de certa forma, a liberdade de imprensa fica condicionada quando fazem a primeira cedencia a um poder maior.

      Obg pela tua opinião, observador :=)

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