segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

E sai hoje... a que-vai-sair vai de vez


Não cheguei a contar, mas dei uma escapadinha até Portugal.
Fui apanhar um pouco do espírito Natalício. Por mim, o Natal foi enquanto lá estive. E não preciso mais dele.

Percebi isso no dia seguinte ao  regresso. Quanto cheguei, entrei em casa todos os italianos estavam na sala. As suas caras de surpresa revelaram-me que esperavam que demorasse mais a aparecer. Só entendi a palavra "retornato" pronunciada algumas vezes, aparentemente referindo-se a mim. Se ficaram descontentes por não me terem fora por mais tempo, temos pena, ahah. Desta vez, não lhes dei a notícia com dias de antecedência. Nem disse em que dia ia voltar. Essas coisas que fazia sem dar muita importância, por não ver mal algum, não quero mais fazer. Quando são eles a viajar fazem questão de manter isso em segredo. Sabem entre eles e com todos os detalhes, mas não partilham com os outros na casa. Ainda hoje uma se foi, vi-lhes as malas, mas nada disse. Não a mim, que não interesso. Ainda me corre nas veias a cortesia de avisar, pelo que deixei escrito no quadro - como habitualmente, a informar que ia ficar fora até o final da semana. Mas não especifiquei o dia... Aprendi com a italiana-mais-velha e o italiano-rapaz, que nos informou há duas semanas quando ela subitamente desapareceu, que estava a viajar mas voltava numa quarta-feira. Só que voltou foi numa segunda. 

E ao me verem entrar, lá repetiram "estai retornato" ou algo do género. 
Qual é o espanto? Se vivo aqui? "Retornato" foi inesperado, foi? Fez-lhes comichão?


Após arrumar as coisas que trouxe comigo, subi ao quarto para descansar. Precisava, não tinha dormido na correria de fazer tudo e apanhar o avião bem cedo. 

Quando desci percebi que haviam decorações de Natal e uma árvore montada na sala. Mas saí porta fora, tinha de ir trabalhar. Foi só no dia seguinte, quando entrei na sala e vi a árvore com mais atenção, que percebi que aquilo não era o meu Natal. E que aquelas decorações bem podiam ser desmanchadas que não me ia causar tristeza.

Não foi só por ter apanhado o espírito Natalício em Portugal. Foi mais por me terem privado dele aqui. Sim, privado. Eu havia perguntado quando iam montar a árvore. Mostrei interesse em participar. Nisto chego a casa mesmo antes deles se porem a fazer as decorações, oiço-os falar algo em italiano nesse sentido, e nada de me convidar? Olha, portuguesinha, junta-te a nós e vamos por as decorações de Natal juntos?

Que cozam num caldeirão de cozido à portuguesa...

E a "estrelinha" no topo da árvore foi ontem. Quando ao final da tarde desço para a sala e verifico que uma visita que escutei entrar na casa para almoçar e espreitar o quarto que vai vagar, ainda perdurava pela sala. Prontificou-se a sair rápido, assim que apareci (se soubesse tinha aparecido mais cedo, mas foi por pura casualidade que não o fiz - não me apeteceu e só senti vontade de dormitar). Mas não se foi embora sem antes as duas me presentearem com esta conversa, em ITALIANO.

-"Questa non labora" -diz a mais-velha à visita.
-"Come non?!"
-"Non labora diesde a Setiembre e era quatro giorni fuori".


Mas que é isto...?? A manter um registo mental das minhas actividades e a falar da minha vida assim, gratuitamente, com uma estranha? Quem lhe passou procuração? De início até me agradou que a minha presença não tenha resultado nos habituais constrangimentos e interrompido o fluxo da conversa. Falavam em Italiano sem parecer que estar ali lhes incomodava. Foi a primeira vez que tal aconteceu e agradou-me. Mas enganei-me. Quando começaram a dizer "portuguesi" e "portucalo" comigo ali... já comecei a estranhar. A fazerem referência a nós, como povo, ou a mim em particular, na língua deles, comigo presente? Que má onda... 

Então sempre é verdade... usam o italiano para falar sobre a pessoa que está presente sem que esta entenda. Mas se isso significa que vão falar de mim na minha frente aproveitando-se do facto de acharem que não capisco niente de italiano... enganam-se. Estou a melhorar o meu entendimento da língua que vai ser falada nesta casa praticamente em exclusivo. Ter sido a mais-velha a agir assim não devia surpreender-me, porque, no fundo, já lhe vi a careca. Mas ainda assim, choca-me. Ela, que ficou toda irritada nas primeiras semanas em que me mudei para esta casa. Um antigo inquilino passou por cá para levantar uma encomenda e calhou referir que existiram situações chatas aqui dentro, mas que decerto a "mais-velha" já me tinha posto a par. Ela ficou enervada - notei-o no rosto, interrompeu-o com uma voz doce, para dizer: "mas o que ela vai ficar a pensar de mim? Achas que eu sou quadrilheira? Eu não falo da vida dos outros". E quando este se foi embora e mencionei tê-lo achado simpático, franziu o nariz e disse que era muito metediço e inventava coisas sobre a vida dos outros. Repreendeu-o por ter dito o que disse sobre ela, pois ela não anda a falar da vida alheia.

PIMBA!

Já diz o provérbio: mais depressa se apanha um mentiroso, que um coxo.   


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