segunda-feira, 9 de junho de 2008

Pais, Filhos e Órfãos

Aquilo que vamos conseguir na vida, e a forma como a vivemos depende, muita vezes, dos pais que temos. Se os temos, ou se não os temos, para começar.

Em determinados sentidos, não tê-los é uma benção. Mas quem nunca os teve, não sabe se lhe foi atribuído a benção ou a desgraça. Outros, talvez o possam adivinhar.

Um órfão pode idealizar os progenitores. Na sua cabeça, se tivesse pais, ia experimentar um certo tipo de felicidade, viver determinadas experiências, receber amor, carinho...

A maioria das crianças recolhidas em centros não são órfãs. Têm pais e outros parentes. A história delas é bem mais triste que a simplicidade do órfanato. Estão abandonadas. Vêm de um meio de miséria, tristemente mais mental que económica. Muitas são abusadas, maltratadas.

É por isso que o órfão nunca saberá que versão da paternidade o destino tinha-lhe reservado.

Depois temos as que não são órfãs e não vivem em instituições mas em família. Têm um tecto, vão à escola e têm os progenitores ao seu lado. Fazem festas de aniversário e recebem presentes. Mas nem por isso a vida vai-lhes correr melhor.

A miséria atinge todos estes casos. Não existe excepção. A criança que aparenta ter tudo por vezes não tem o que realmente importa: afecto. E por estar menos exposta que aquelas que a sociedade "classifica" como carenciadas, muitas vezes são as que menos chances têm para um futuro melhor.

Não é que alguns pais não sintam afecto pelos filhos. Mas muitas vezes não sabem como expressá-lo. Têm de ser ensinados mas como adultos que são, criaram já uma arrogância e uma ignorância que os impede de ser humildes e procurar ajuda. Temem os rótulos e não querem ser apontados por outros pais como uns fracassados.

Mantêm as aparências e a verdade fica oculta entre as quatro paredes.

Muitas vezes reproduzem décadas de erros aos quais, provavelmente foram expostos. Abusam dos gritos, ameaçam, recorrem á violência física, são castradores e proibitivos. Responsabilizam a criança pelos seus erros, atribuem-lhe defeitos e responsabilidades que não lhe pertencem. Não sabem ouvir. E assim permanece a relação até a idade adulta.

Uma criança nasce com capacidades incríveis. Ela tem uma percepção do mundo que tantas vezes serve como elixir curativo para um adulto. Esta aprende, mas também ensina. Um adulto só tem de escutar o que ela diz.

É um erro achar que aquele pequeno indivíduo é inferior e deve submeter-se ás ideias do adulto. Porque o adulto é que sabe tudo. Não. A criança ensina. E a uma determinada altura da vida, ela tem de ensinar os pais a lhe darem liberdade para se desenvolver feliz.


CASOS:

Um episódio que jamais esqueci e remonta aos tempos do inicio da adolescência, passou-se comigo. Meus próprios pais, apontaram na rua um rapaz que sabiam órfão e a viver com a avó. E me disseram: "Estás a ver a sorte que tens?" "Deves dar graças a Deus por nos teres. Aquele ali é um pobre coitado, que vive com a avó. Vivem do dinheiro da reforma e ela pode morrer a qualquer momento. E depois, ele vai ficar na rua, sem ninguém para cuidar dele. É um desgraçado. Já viste a sorte que tens em nos ter?"

Bem, não vou falar o que achei desta intervenção muito pouco adequada de meus pais. Vou falar do rapaz.

Conhecia-o, estudava na minha turma. E embora nem sempre as coisas são o que aparentam ser, a verdade é que dele saía uma energia positiva que me pareceu legítima. Ele era feliz. Não podia dizer o mesmo a meu respeito. Eu parecia estar bem, mas não estava. Ele parecia ter menos a seu favor, mas teria?

Não deixei de lhe atribuir os seus momentos de tristeza, e de receio, medos. Saudades do que poderia ser, de se imaginar a viver com os pais como os outros vivem... mas achei precipitado colocarem-no na categoria de "pobre coitado". E também que minimizassem a capacidade da sua avó. Podia jurar que ele era muito amado e ia ter sucesso na vida. Dinheiro não é tudo. Afecto e saber como demonstrá-lo é. Ele sentia-se de bem com a vida. A avó soube educá-lo com afecto, sem o estragar com mimos, pois sempre se rectificava das suas traquinices e não ia longe demais.

Este rapaz não foi o único indivíduo que conheci, criado pelos avós. Outros casos obervei e todos vieram a comprovar esta minha teoria de que o que importa para uma criança é receber afecto. Que este venha de pessoas menos "convencionais" - avós, primos, tios, vizinhos, é tão legítimo como o que vem de um casal parental.

Os casos que conheci, mostram que estas crianças crescem saudáveis e atingem o sucesso na vida, tanto profissionalmente como emocionalmente.


Ninguém nasce ensinado. É difícil ser-se pai, é mais difícil ser-se filho. Tudo é melhor quando chegam netos e depois se vira avós.

Mas porquê esperar tanto tempo?
Mude já!

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